O Tenente-Coronel José Agostinho e a valorização do mundo subterrâneo das ilhas
Tinha 75 anos de idade o Tenente-Coronel José Agostinho quando inicia uma relação
de amizade e de estima mútua com a Associação Os Montanheiros.
É certo que José Agostinho era muito mais do que apenas um cientista, mas foi enquanto
homem ilustrado e estudioso das formas como a natureza se manifestava que se
notabilizou entre nós. Conquistou com o seu saber, sem vaidades, os seus conterrâneos
terceirenses, recorrendo de forma muito especial à radiofonia para transmitir conceitos
e processos por ele investigados. Se as suas deduções e conclusões sobre o meio físico
destas ilhas causavam na altura espanto por serem "novidade", ainda hoje nos espanta
o rigor com que muitas delas foram proferidas. As muitas dezenas de palestras que o
Tenente-Coronel José Agostinho proferiu aos microfones do Rádio Club de Angra,
confirmaram-no como sumidade nesta área, mas também como comunicador capaz de
suscitar a curiosidade e captar a atenção até do ouvinte mais recatado.
Os Montanheiros procuraram o Tenente-Coronel José Agostinho numa altura
em que os "matos" e "montes" os chamavam a descobrir a natureza vulcânica destas ilhas
e o "novo mundo" que se escondia no ventre da terra. Tudo temas muito apreciados pelo Tenente-Coronel José Agostinho. O
receio da presença de gases tóxicos no interior
das grutas, tentar perceber a génese
e morfologias criadas pelas correntes
de lava no subsolo ou perceber a origem
das estranhas formações que iam encontrando,
tudo foi motivo para profícuas
conversas entre o Tenente-Coronel José
Agostinho e a direção dos Montanheiros,
sedimentando-se assim a referida relação
de mútua amizade e consideração. Aprendia-
se sempre mais do que aquilo que reportávamos.
Por duas vezes, nas suas palestras, o Tenente-Coronel José Agostinho fez elogiosas
alusões ao trabalho meritório dos Montanheiros, «um grupo de jovens inconformados
que, reagindo contra o passo acelerado da Civilização, rumavam às montanhas e
canalizavam os seus anseios de aventura e de descoberta pelos segredos da natureza,
como compensação da comodidade que os meios citadinos impunham». Destaca o
entusiasmo e perseverança na exploração de grutas e algares escondidos no subsolo,
um meio de escasso conhecimento, longe do olhar do homem, recorrendo a técnicas
que iam sendo aperfeiçoadas conforme a sua experiência lhes ia aconselhando. Destaca
as descidas bem estudadas e bem conduzidas, com métodos cada vez mais engenhosos
e maiores precauções de segurança, que permitiram a exploração sistemática do Algar
do Carvão, revelando pormenores, permitindo a recolha de amostras e permitindo a
realização de perfis cotados medidos a rigor.
Com o êxito destas descidas surge a ideia de se criar uma instituição que fomentasse o estudo da espeleologia e, de forma geral, a promoção do conhecimento,
divulgação e proteção do património natural geológico e paisagístico. Em torno deste
grupo de jovens criou-se uma atmosfera de simpatia e entusiasmo, com estudiosos,
investigadores e técnicos de várias áreas a prestar preciosa e desinteressada colaboração.
Foram alguns destes Dr. Jaime Ferreira, Prof. Veiga Ferreira, Prof. Georges Zbyszewski,
o Dr. Victor Hugo Forjaz e obviamente o Tenente-Coronel José Agostinho. Foi a este
último que estes jovens haveriam de recorrer para elaborar os estatutos de constituição
desta sociedade espeleológica.
Nesta curta conversa não se pretende nem é possível dar mais do que uma resumidíssima
ideia do que tem sido a atividade subterrânea, no verdadeiro sentido do
termo, é claro, desse agrupamento de entusiastas que constituem a Sociedade Os
Montanheiros, a qual bem merece o apoio das pessoas e entidades que estejam em
circunstâncias de o dispensar.
Não deixava de comparecer nas exposições onde a associação exibia amostras e fotos
da sua atividade, enaltecendo-as e fazendo votos para que tais merecessem a devida
atenção das entidades e público, e lamentando a falta de laboratórios devidamente apetrechados
de pessoas e meios para o estudo das mesmas. Enaltece o esforço na abertura
do túnel que se estava a iniciar, para facilitar às pessoas a visitação do interior do Algar.
Atuando com espírito calmo e científico, documentando as suas explorações com
belas fotografias, tomando as suas notas com critério, executando um trabalho que
já não é apenas de aventureiros entusiastas, estas suas explorações podem resultar
em valiosos ensinamentos para a ciência vulcanológica, pois estão desvendando o
campo de pesquisa da área da vulcanologia ainda mal explorado. Não é possível
ignorar, nem sequer ficar indiferentes
à sua atividade.
Por algumas vezes se deslocaram elementos
dos Montanheiros à sua residência,
na Miragaia, a fim de procurar os seus
conselhos e conhecimentos. De uma dessas
vezes, quando José Agostinho se encontrava
já debilitado na sua saúde, veio
alguém atender à porta. Dizendo quem
eram e ao que vinha, a pessoa respondeu
que ia perguntar, mas adiantou que o
Tenente-Coronel José Agostinho estava a
descansar. Não tardou que ouvissem lá de
dentro uma voz que disse: «Deixa entrar.
Para esses senhores estou sempre disponível». Para aqueles homens simples que
tanta consideração nutriam por este homem
de ciência, essas honrosas palavras
valeram mais que qualquer distinção que
lhes pudesse ser prestada.
Tenente-Coronel José Agostinho, em primeiro
plano, na sede dos Montanheiros. Junto dele o presidente
da Associação Américo de Lemos Silveira
Luís e atrás Manuel Aguiar Silva.
Faleceu aos 90 anos. Foi a enterrar
a 18 de agosto de 1978 no Cemitério do
Livramento.
Paulo J. M. Barcelos, Presidente da Direção da Associação Os Montanheiros