José Agostinho, palestras na rádio

Tropeçar na obra do Tenente-Coronel José Agostinho

Poderia ter tropeçado presencialmente no Tenente-Coronel José Agostinho, porque tropeço frequentemente na sua obra, e até porque teríamos áreas em comum, mas não foi o caso: eu era adolescente quando ele morreu, vivia numa freguesia rural, como tal, muito pouco conhecedor dos "players" urbanos e talvez porque suspeito que ele não tivesse muita paciência para perder o seu precioso tempo com adolescentes, mas há quem diga o contrário. Apesar de, na minha adolescência, já ter algum interesse pela área da física, especialmente sobre eletricidade, nem imaginava que o Tenente-Coronel José Agostinho já integrava comissões internacionais nas áreas do geomagnetismo e da geoeletricidade. Só por isso, já se poderia dizer que era um homem interessado na interdisciplinaridade ou que era um homem universal.

Durante a minha formação académica, na Universidade de Lisboa, ouvi várias vezes o meu professor de termodinâmica, o Professor José Pinto Peixoto, talvez o mais destacado geofísico e meteorologista português, honrado com uma estátua em frente da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa, mas desbocado, como se percebe pela autoria da "regra dos três pês": "Não há nada mais perigoso do que professor novo, prostituta velha e pistola encravada.", referir-se ao trabalho do açoriano José Agostinho mas sem o encaixar em qualquer lei, fórmula matemática ou teoria. Ficou-me a ideia que para ser bom ou notável, até nos Açores se o poderia ser, contrariando a ideia, ainda hoje em voga, que os grandes centros urbanos são os habitats da inteligência. Sentia-me orgulhoso com referências a personalidades açorianas.

O meu curso concluiu-se, um instituto de meteorologia teve o seu nome, uma avenida honrou-o e as referências aos seus trabalhos espalharam-se, mas isso, continuava- me a dizer pouco sobre a vida e obra desse homem.

Organizei uma visita de estudo com os meus alunos, no meu primeiro ano de trabalho, ao Observatório José Agostinho. Lá estava ele a ostentar o nome e a dizer que não foi uma pessoa qualquer. Fui surpreendido na visita quando referiram que José Agostinho tinha inventado o nefoscópio de reflexão para medir a velocidade do vento à altura das nuvens. Isso pareceu-me extremamente interessante como estratégia pedagógica para as minhas aulas, pois poderia usar esse exemplo para simultaneamente explicar as leis da reflexão da ótica geométrica, a aplicação de frações à física bem como alguns conceitos de mecânica física clássica. Até seria possível construir um, o que acabei por nunca fazer, porque uma coisa é a ideia, outra bem diferente, é a habilidade manual. O nefoscópico de José Agostinho dividia o céu em quatro partes iguais num vidro de superfície, mas usando oito pontos laterais de observação, poder-se-ia dividi-lo em oito partes iguais que se designam usualmente por octas. Isso permitiria não só avaliar a nebulosidade através de uma escala objetiva que seria função da cobertura de nuvens (considerava-se um céu coberto se as nuvens cobrissem 8/8 do céu, oito octas, um céu estaria nublado quando cobrisse 6/8 do espelho, estaria parcialmente nublado quando cobrisse 4/8, pouco nublado quando cobrisse 2/8 e limpo quando não se observassem nuvens espalhadas na superfície espelhada do nefoscópio), mas também permitia, recorrendo à escala graduada nos bordos da caixa, avaliar a velocidade aparente das nuvens, ou o que é equivalente, a velocidade do vento à altura das nuvens. A escala, devidamente calibrada, e admitindo que a as nuvens se situariam sensivelmente sempre à mesma altitude, permitiria avaliar a velocidade do vento em km/h nessa camada. Tratava-se de uma ideia simples, interessante e engenhosa. Engenhosa sim, mas nada de extraordinária, para que tal criação pudesse ser considerada uma invenção ímpar que perdurasse até então. Vivíamos no advento de toda a tecnologia que resultava do uso de circuitos integrados e cristais piezoelétricos que estavam na base de uma série de técnicas científicas instrumentais como a microscopia de varredura de sonda, isqueiros de faísca elétrica, microfones, cápsulas de guitarras eletrónicas, etc. O interesse de José Agostinho pela geoeletricidade revelava um interesse pelo futuro, mas nessa altura (aquando da referida visita de estudo) o seu nefoscópio já era um instrumento obsoleto sem qualquer utilidade prática pois foi substituído por todo o tipo de sensores. Se tivesse tido mais tempo, mas todos sabemos que estamos condenados pelo tempo à morte, talvez tivesse feito a fusão entre a geoeletricidade e a radiação emitida pelas nuvens.

Trabalhando num departamento de ciências agrárias as questões mais relevantes de física que me colocavam prendiam-se com questões práticas de clima e meteorologia, pois tais áreas são importantes para a produção agrícola, mas havia outras mais teóricas, com interesse edafoclimático. A precipitação e a humidade do solo são fatores essenciais para a produção agrícola, a par da temperatura e radiação solar.

Já em 1947, o Tenente-Coronel José Agostinho tinha concluído que nos Açores, a precipitação era elevada e que diferia entre grupos de ilhas, aumentando muito com a altitude em todas elas. A precipitação média anual variava entre os diversos grupos de ilhas, observando-se um aumento de valor do grupo oriental para o ocidental, o que se repercutia na vegetação, e consequentemente, na paisagem. José Agostinho também verificou que as condições de humidade do solo eram mais favoráveis à vegetação nas ilhas do extremo ocidental do arquipélago do que nas ilhas do extremo oriental. Tratava- se de observações objetivas e mensuráveis a que associava uma componente de análise subjetiva baseada na sua sensibilidade. Conseguia ligar a ciência à sensibilidade e isso só é conseguido quando se tem uma visão pluridisciplinar do mundo. Acerca da precipitação ainda dizia que a dos Açores se comparava com a do Minho, uma das regiões mais chuvosas da Europa.

José Agostinho acentuava sempre numa tentativa de explicar o coberto vegetal dos Açores, que não é só à escala do arquipélago ou dos diferentes grupos que o clima das ilhas deve ser abordado, uma vez que as condições climáticas à escala local, de cada ilha e lugar, são essenciais na preservação do equilíbrio dos ecossistemas e da paisagem, especialmente no que diz respeito ao ciclo hidrológico. Assume existir, nas ilhas açorianas, microclimas, e tais situações levam a explicar hoje em dia, a adaptação de culturas que as populações pretéritas fizeram para conseguir ter uma produção de vinho nos Biscoitos ou Porto Martins na ilha Terceira, uma produção de vinho nas Pedras Brancas na Graciosa, de Café na Fajã dos Vimes em São Jorge, ou de vinho no Lajido, na ilha do Pico. Se tivéssemos estudado o ciclo da laranja nos Açores, mais convencidos ficaríamos das pertinentes interpretações edafoclimáticas do Tenente-Coronel José Agostinho. Pelo que acabo de expor não poderia estar num departamento de ciências agrárias sem ler José Agostinho por toda a pertinência dos seus dados e das suas relações ambientais.

No ido ano de 1988, quando ainda não se falava de "Zonas de Proteção Especial", nem havia muitas preocupações ambientais, insurgi-me contra exercícios militares com fogos reais nas Contendas, na Vila de São Sebastião, ilha Terceira, por razões que se prendiam essencialmente com questões, ditas agora, de "ecológicas". Foi um "chorrilho" de artigos de opinião no extinto jornal A União sobre essa temática, para tentar impedir tais exercícios militares, pois tínhamos aí colónias de garajaus que, entendia, deveriam ser protegidas. Não havia informação disponível sobre essas aves marinhas e a sua importância, nem tão pouco, existia internet. Pus-me a pesquisar no local mais habitual para a época: a Biblioteca Pública. Lá apareceu mais uma vez José Agostinho.

O Tenente-Coronel José Agostinho, tal como anteriormente referido, tinha muitos interesses científicos, entre os quais constava um especial interesse pela ornitologia. Fez diversas observações sobre as aves açorianas, quer nidificantes, quer ocasionais. Interessava-se sobretudo em recolher informações sobre as aves de passagem ou extraviadas onde registava, ou lhe enviavam, a data e lugar onde as mesmas eram vistas. Em relação às espécies nidificantes, como os cagarros ou os garajaus, tinha especial interesse em saber as datas exatas em que estas voltavam aos Açores para se reproduzir.

O meu interesse pela observação de aves surge muito cedo, provavelmente pelo facto de ter sido escuteiro onde se faziam registos de observações de aves também com datas e locais, mas as minhas centravam-se apenas nas maiores, nas mais fáceis de observar a olho nu e com detalhe, uma vez que não tinha binóculos. Nessa altura lia muito e achei estranho quando pesquisei sobre os garajaus, que as únicas referências que encontrei tivessem sido as do Tenente-Coronel José Agostinho, e que nunca alguém, me tivesse referido essa sua faceta, especialmente quando estava envolvido numa guerra com militares. Também tinha um especial fascínio pelos cagarros, talvez motivado pelo som que essas aves emitiam à noite, e também isso me aproximava dos interesses desse homem. Não é que o Tenente-Coronel José Agostinho tivesse dado grandes contributos para a compreensão dos movimentos dos cagarros, ou dos seus cantos, ou até mesmo de aspetos da sua socialização, nidificação, emparelhamento ou locais de "migração", mas eram registos pioneiros. Talvez lhe faltasse tempo para olhar o mundo por completo.

Descrevendo em 1949 a avifauna do Monte Brasil dizia que tal acidente geológico albergava as espécies mais caraterísticas açorianas: o milhafre (Buteo buteo insularum, hoje denominado, Buteo buteo rothschildi, que ainda se vê na atualidade, de vez em quando, a esvoaçar junto à muralha da Fortaleza de São João Baptista voltada para o Fanal, último registo em 2021), as pombas bravas (Columba livia, hoje designadas por Columba livia atlantis e facilmente observadas hoje em dia na Península do Monte Brasil) as gaivotas (Laurus fuscus atlanticus, hoje designadas por Larus michahellis atlantis, muito comuns na atualidade na Baía de Angra do Heroísmo e junto ao Forte da Quebrada), garajaus (Sterna hirundo, que mantem o mesmo nome científico, mas muito difíceis de observar na atualidade na Península do Monte Brasil) e os cagarros (Puffinus Kuhli, hoje designados por Calonectris borealis) "que tem os seus ninhos em buracos inacessíveis da Quebrada". Relativamente às colónias de cagarros do Monte Brasil, de facto, junto ao Forte da Quebrada existem pelo menos dois casais e outro ou outros houve que nidificaram no interior da cisterna que aí se encontra. Provavelmente devido a chuva forte, que ocorreu antes da partida dos juvenis, alguns foram apanhados de surpresa na cisterna e morreram afogados como atestam as suas ossadas aí presentes. Há também colónias de cagarros sensivelmente a meio do Monte Brasil, na encosta voltada para a baía de Angra. Não é fácil dizer-se se os ninhos dos cagarros migraram mais para o interior do Monte Brasil desde 1949 até à atualidade (última observação realizada em 2021) ou que as observações de José Agostinho eram ocasionais e não sistemáticas.

Consegui terminar com os exercícios de fogos reais nas Contendas, com um pequeno "contributo" de José Agostinho (citei-o), e isso ajudou os militares a compreenderem a problemática, pois desde essa data que tais fogos nunca mais se realizaram, e neste momento as Contendas são uma Zona de Proteção Especial. Se tal polémica tivesse ocorrido no tempo do Tenente-Coronel este teria de imediato ficado ao meu lado, pois o seu interesse pela ornitologia era tal que o levou a sugerir ciar charcos artificiais no Monte Brasil, para atrair fauna de zonas húmidas para acrescentar ainda mais um motivo de atração dessa Península.

No final da década de 90 do século passado estive envolvido nalguns trabalhos que pretendiam avaliar a distribuição espacial de deposição seca, como por exemplo do "spray marinho", aerossóis minerais, entre outras substâncias, e aí, voltou a ser incontornável recorrer aos dados de José Agostinho, na falta de dados mais atualizados. De o ler sobre determinadas áreas, acaba-se por ir ficando com a ideia de outras sobre as quais escreveu, e isso, torna a consulta mais rápida, especialmente se se registou na memória algo que se aparentava ser muito interessante. O Tenente-Coronel, teve um enorme trabalho, diria mesmo hércule, para estabelecer nos Açores os designados "gradiente adiabático seco" e "gradiente adiabático húmido". Estabeleceu uma relação empírica que permite ainda afirmar que em altitude, a temperatura decresce de forma regular, à razão de 0,9ºC por cada 100 metros até ser atingida a temperatura do ponto de orvalho a uma altitude que se situa, em média, nos cerca de 400 metros. A partir desse ponto, a temperatura decresce de uma forma menos acentuada ou com outro declive, numa razão média de 0,6ºC por cada 100 metros. Chama-se a essa última tendência: gradiente adiabático húmido.

Tive oportunidade de verificar que de facto essas relações existiam, e que só não eram mais precisas e aplicáveis em toda e qualquer circunstância, mesmo tendo em conta um determinado ano, porque dependiam de muitos fenómenos que as influenciavam, entre os quais a orografia, mas nem isso escapou a José Agostinho, porque tinha a noção que, por exemplo, a precipitação de origem frontal era reforçada pela precipitação de origem orográfica no interior de cada ilha.

Muito há a dizer sobre o enorme trabalho do Tenente-Coronel José Agostinho na área da climatologia e meteorologia que não é ensinado em nenhum banco da universidade talvez porque é demasiado específico e local, ou tão específico, como a singularidade orográfica do arquipélago dos Açores ou a sua localização. A importância geoestratégica climática e meteorológica dos Açores só começou a ser reconhecida nos últimos anos, e impulsionada, pelo contexto de alterações climáticas em que vivemos.

No início deste século, defendia em Lisboa, Aveiro e outras universidades a importância geoestratégica dos Açores como ponto de observação crucial para o entendimento do transporte intercontinental de poluentes, e da importância de monitorizarmos a camada limite marítima no cimo da montanha do Pico e na montanha de Santa Bárbara na ilha Terceira. Neste momento não há qualquer dúvida dessa importância pois surgiu o Pico-NARE, a European North Atlantic – Atmospheric Radiation Mesurement (ENA ARM), na ilha Graciosa e o The Atlantic International Research Centre (AIR Centre). Já os dados do Tenente-Coronel José Agostinho permitiriam justificar essa importância geoestratégica, e implicitamente, sempre deixou clara essa centralidade e as especiais condições atmosféricas e climatéricas açorianas.

Aquando da reconstrução da Loja do Adriano em Angra do Heroísmo, lembro-me de ver, na montra, umas quantas impressões de folhas incrustadas nos tufos do Monte Brasil, designados popularmente por fósseis. Achei isso muito interessante. Anos mais tarde, ao visitar o Museu d’Os Montanheiros, deparei-me com uma coleção dessas, e qual não é o meu espanto, que alguns desses exemplares tinham sido colhidos pela primeira vez pelo Tenente-Coronel José Agostinho. Lá estava essa figura marcando presença mais uma vez.

Aquando da estabilização da arriba da Rocha, na Marginal de Angra do Heroísmo, no período de 2001 a 2003, recolhi alguns desses fósseis que entendi que deveriam ser preservados. Na altura o Presidente da Câmara, Sérgio Ávila, não considerou ser isso importante e Os Montanheiros não tinham nem espaço nem pessoal para o fazer. À medida que as intervenções técnicas no local iam produzindo deslocamentos e quedas de pedaços de tufos com fitofósseis, fui-os recolhendo.

Interessou-me perceber a forma como os fitofósseis do Monte Brasil tinham sido formados, e é claro, que teria que consultar o que dizia José Agostinho sobre o assunto. Nessa consulta aparece o "geólogo" José Agostinho dizendo em "O Monte Brasil: Esboço Menográfico", de 1949, que Angra assenta em tufos que se depositaram sobre a traquite da Caldeira de Guilherme Moniz por alturas das erupções do Monte Brasil. Diz que os tufos do Monte Brasil e dos Ilhéus das Cabras que se estenderam frente à costa sul e que apontam para uma atividade vulcânica recente. Consegue distinguir três períodos de atividade dessa estrutura vulcânica. Assim, para o autor o Monte Brasil é formado em numerosas fases, e constituído por quatro cones cinérios (Pico das Cruzinhas, Pico do Facho, Pico da Quebrada, Pico do Zimbreiro) os quais rodeiam a sua cratera. Mesmo na atualidade é difícil encontrar um trabalho de geologia que tenha tanta clareza como o do pioneiro José Agostinho. Essas observações levam a que Zbyszewski e co- -autores digam, em 1971, que "É sabido há já algumas décadas, através de um breve levantamento efetuado na falésia da Baía do Fanal (Oeste de Angra do Heroísmo) e na falésia da Baía de Angra do Heroísmo (a Leste), embora este último num período anterior ao primeiro, que existem duas camadas com fósseis foliares na cidade". Trata-se de uma referência clara ao trabalho de José Agostinho. Já em 1949 esse vulto regional identificava dois fitofósseis do Monte Brasil: a Persea azorica (= Laurus azorica (Seub.) Franco) e a Hedera canariensis (=Hedera azorica Carrière) que também recolhi e fui capaz de identificar. O trabalho de Agostinho não me deu grande ajuda na identificação de outras espécies ou das espécies identificadas no trabalho de mestrado de Pedro Machado, de 2019, com o título "Estudo paleoclimático e paleobotânico de Angra do Heroísmo a partir dos fósseis incorporados nas cinzas vulcânicas do Monte Brasil" que orientei, mas permite dizer que há setenta anos atrás havia na ilha Terceira uma pessoa singular, com um interesse genuíno por tudo o que o rodeava, tentando mobilizar toda a ciência possível para o seu entendimento e publicando-a. Era um homem atento, e relativamente aos fósseis preocupou- se em perceber a sua distribuição geográfica. Diz ele: "Toda a cidade de Angra tem o seu solo constituído por tufo dessa origem, dentro do qual, quando se fazem escavações, se acham copiosos vestígios de matas de Persea azorica (louro do mato), de Hedera canariensis (hera), etc." (Agostinho, 1949: 347). Lá estava José Agostinho a explicar-me os fósseis da Loja do Adriano. O mais enigmático da frase anterior é o "etc.". O que seria o "etc." de José Agostinho?

Em 2003 encontrei um fóssil que aparentava ser pouco interessante, por ser pequeno, aquando da estabilização da arriba da Rocha, mas que tinha as folhas tipo agulhas, logo conífera, e que observações minuciosas à lupa permitiram afirmar tratar-se de Juniperus brevifolia (Seub.) Antoine (cedro do mato). Essa observação acaba por fortalecer a hipótese de José Agostinho que, ao referir-se à Tropeçar na obra do Tenente-Coronel José Agostinho flora do passado da península do Monte Brasil, diz que certamente essa espécie estaria presente no cimo do Pico do Zimbreiro sendo essa existência a única razão capaz de explicar o seu nome. O fóssil de cedro do mato, não prova a hipótese do ilustre cientista que existia cedro do mato nesse local aquando do povoamento da ilha Terceira, porque apenas permite afirmar que existiam cedros do mato nas arribas de Angra do Heroísmo aquando da última erupção do Monte Brasil.

No trabalho de Machado (2019) identificaram-se impressões foliares no tufo vulcânico do Monte Brasil, na Baía do Fanal, para além das referidas por José Agostinho: Viburnum treleasei, Picconia azorica, Morella faya, Polystichum setiferum e Dracaena draco. O quanto extenso era o "etc." do Tenente-Coronel José Agostinho? Mais uma vez, a presença de fósseis de faia-da-terra, permite fortalecer a hipótese do Tenente-Coronel de que essa espécie seria abundante no passado nessa península.

A coleção que tenho de fitofósseis do Monte Brasil, contêm de facto todas as espécies mencionadas anteriormente, a que acrescento também um etc., se calhar com um significado semelhante ao de José Agostinho e que significa: ainda não sei de que espécies se tratam.

O interesse de José Agostinho por fósseis não se fica pelos do Monte Brasil, pois também estudou os depósitos fossilíferos de Santa Maria (Agostinho, 1937) que despertaram grande interesse da comunidade científica, levando a numerosos estudos paleontológicos, desenvolvidos a partir final do século XIX. A importância científica dos depósitos fossilíferos de Santa Maria levou à criação da Reserva Natural Regional do Figueiral e Prainha, incluindo o Monumento Natural da Pedreira do Campo. Tudo o que José Agostinho estudou tem importância atual.

Em 2009 integrei o conselho de administração da extinta Culturangra. Procurei promover a cultura e o património do concelho de Angra do Heroísmo. De entre as várias atividades a desenvolver sugeri um conjunto de concertos em todos os órgãos de tubos das igrejas do concelho. Haveria que saber um pouco da história desses órgãos de tubos, até porque eles tinham por detrás um conjunto vasto de soluções físicas que lhes conferiam singularidades. Tentou-se encontrar algo específico sobre a história e o funcionamento desses instrumentos musicais maioritariamente construídos por António Xavier Machado Cerveira. Esse organeiro teve uma enorme importância na construção de órgãos em Lisboa, especialmente após o terramoto de 1755. Consultou-se o trabalho de Monsenhor Nouel (da República Dominicana), de 1959, que estuda os órgãos de duas ilhas dos Açores. Lá está o confiável Tenente-Coronel José Agostinho a dar informações precisas sobre o órgão da Igreja de Nossa Senhora da Guia e informações pertinentes sobre a reparação de órgãos de tubos na ilha Terceira. Diz Monsenhor Nouel que "Letters from Col. J. Agostinho in which he kindly informs me that «..as to the organ in the Franciscan church, the only reference I find about is that in 1867 it was already looked on as ‘very old and good’»". Essa pequena passagem e menção, mais uma vez aponta para um homem com contactos e interesses múltiplos, ávido por conhecimento, venha ele de que área for, com valências científicas e interesses científicos próximos daqueles que se encontram nos intelectuais do renascimento.

A partir de 2011, e por mero acaso, comecei a encontrar um conjunto de estruturas na ilha Terceira que começaram a intrigar-me e fez com que começasse a estudá-las mais profundamente. Nunca pensei que tal originaria um burburinho tão grande e uma controversa inimaginável. A temática referia-se e refere-se, pois, o burburinho ainda existe, a uma presença pré-portuguesa no Arquipélago dos Açores. Agredido por vários quadrantes e acreditando que alguém no passado poderia pelo menos ter tido uma dúvida semelhante, aceitando que os meus factos eram difíceis de negar, fui aprofundando os meus conhecimentos sobre algumas descrições históricas ou narrativas históricas de ilustres historiógrafos ou historiadores como Gaspar Frutuoso, Francisco Ferreira Drummond, Ernesto do Canto e Humboldt entre outros. Nessa temática as lendas ou crónicas, como as de Damião de Góis sobre o cavaleiro do Corvo ou o artigo de Johann Frans Podolyn sobre as moedas Cirenaicas do Corvo viriam inevitavelmente à baila pois tinham desencadeado perplexidade por um lado e negações por outro. Lá estava de novo José Agostinho a falar de assuntos que poucos abordavam ou queriam investigar. O Tenente-Coronel José Agostinho após o que considerou ser uma sua missão arqueológica ao Corvo no Verão de 1945, escreveu na Revista Açoreana de 1946 que "a estátua não foi feita pela mão do homem", mas sim "um simples bloco de basalto que tomou aquela forma por acidente.", numa tese que, na atualidade, busca explicações na área da psicologia, no fenómeno de pareidolia. Esta e outras observações foram publicadas na revista Açoreana, onde ainda acrescenta que os corvinos "nunca viram nem ouviram falar de edificações arruinadas.", numa tentativa de, através da etnografia, deixar dúvidas sobre o que Podolyn tinha escrito sobre as moedas "fenícias" do Corvo. Essa referência a edificações arruinadas era para o Tenente-Coronel, pertinente, porque pretendia aferir a descrição do local onde Podolyn diz que as moedas cirenaicas foram encontradas através da memória do povo. Acontece que o povo, em 1945 não poderia ter memória de algo que se diz ter existido em 1778. Não é minha intensão aqui discordar do que diz José Agostinho porque não vi o local onde se diz ter existido a hipotética estátua do cavaleiro do Corvo e também porque não fiz qualquer pergunta aos corvinos acerca do seu conhecimento sobre uma qualquer edificação antiga arruinada na ilha, quando por lá estive por diversas vezes. O que é importante salientar aqui é que esse homem, deixava-se agarrar por qualquer ponta de conhecimento ou mistério e não tinha qualquer receio de se aventurar na procura desse conhecimento fosse ele da "sua área" ou não. Era um homem da ciência sem fronteiras que só os apaixonados pelo conhecimento se atrevem a cruzar. Pensa-se que não tinha dogmas, até mesmo sobre essa questão, mas apenas uma vontade genuína de encontrar a verdade, e parece que também não tinha qualquer problema em ser contestado.

A questão das moedas "fenícias do Corvo" aparentava ainda não estar clara para José Agostinho, uma vez que deixa abordá-la em 1947 no Boletim do Instituto Histórico da ilha Terceira pelo Dr. Manuel de Menezes, sem aparente oposição. Aí o autor anteriormente referido afirma que "Parece não ter sido uma invenção, a existência das moedas fenícias encontradas no Corvo, em 1749, e que constituiu motivo de estudo a sua identificação". Ainda afirma que esse assunto "tratado por Ernesto do Canto, no Vol. III do — Archivo dos Açores, é novamente abordado por José Agostinho, até com a reprodução gráfica de algumas das moedas encontradas e estudadas por Podolyn, o que não permite dúvidas sobre a veracidade do achado". Ora, como acedeu José Agostinho aos desenhos de Podolyn publicados pela Royal Society of Sciences and Letters em 1778 (e não 1749 como refere Menezes em 1947) em Gothenburg? Por que não é mais conclusivo sobre esse assunto José Agostinho? Porque é um homem de ciência e vai somente nalguns casos até ao limite dos factos.

Quando me propuseram integrar o Instituto Histórico da Ilha Terceira, lá estava de novo o Tenente-Coronel José Agostinho, associado a Luís da Silva Ribeiro, como fundadores dessa associação. O Instituto Histórico da Ilha Terceira (IHIT), em Angra do Heroísmo, fundado em 1942, constituiu-se uma associação privada, resultado da iniciativa de um grupo de homens com grandes responsabilidades culturais. O IHIT foi uma criação pioneira nos Açores e desde essa altura que os seus estatutos permitem ter três tipos de sócios ou participações: sócios efetivos, membros correspondentes e sócios honorários. Isso significa que os estatutos foram pensados para a posteridade. José Agostinho presidiu ao IHIT de 1955 a 1957. Isso significa também que para além do seu labor como físico, geólogo, biólogo, naturalista, também se interessou por assuntos de história e da etnologia, publicando diversos artigos sobre temáticas dessa área.

Fui tropeçando na minha vida várias vezes na obra do Tenente-Coronel José Agostinho, sem ter tropeçado nele, e todas as vezes aprendi, daí que tenha interiorizado que cada vez que penso que há algo que talvez ninguém ainda tenha pensado ou abordado, acerca de uma particularidade qualquer da ilha Terceira, automaticamente penso que é melhor consultar José Agostinho.
Félix Rodrigues, Físico

LISTA DE REFERÊNCIAS
Agostinho, J. 1937. Sobre a tectónica da ilha de Santa Maria. Açoreana. 1(4): 281-286.
Agostinho, J. 1946. Achados Arqueológicos nos Açores. Açoreana. 4(1):101-102.
Agostinho, J. 1949. O Monte Brasil: Esboço menográfico. Açoreana. IV(4): 343-355.
Bried, J., Magalhães, M. & Neves, V. 2009. Aspectos da ornitologia marinha nos Açores. Boletim do Núcleo Cultural da Horta. 18: 61-83.
Gomes Ferreira, J. 2017. 22 A Divulgação da Sismologia e Outras Ciências Geofísicas em Duas Revistas que Surgiram na Década de 30 do Século XX. Açoreana. 11(1): 15pp.
Machado, P. 2019. Estudo paleoclimático e paleobotânico de Angra do Heroísmo a partir dos fósseis incorporados nas cinzas vulcânicas do Monte Brasil. Tese de Mestrado em Gestão e Conservação da Natureza. Universidade dos Açores. Angra do Heroísmo.
Menezes, M. 1947. O problema da descoberta e povoamento dos Açores e em especial da Ilha Terceira. Boletim do Instituto Histórico da Ilha Terceira. V: 1-121.
Nouel, M. 1959. Organs of two islands. Boletim do Instituto Histórico da Ilha Terceira. 1969-1970. 27/28:491-519.
Zbyszewski, G., Cândido de Medeiros A., da Veiga F. & Torre de Assunção, C. 1971. Carta geológica de Portugal na escala de 1/50 000: Notícia explicativa da folha Ilha Terceira. Lisboa: Serviços Geológicos de Portugal.

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Última actualização 2023-02-15