José Agostinho, palestras na rádio

José Agostinho, da observação à comunicação

O meu primeiro contacto com a realidade científica dos Açores data de 1985 quando, no último ano da licenciatura em Geologia, escolhi realizar a tese de final de curso sobre a Geoquímica da ilha de Santa Maria. Uma decisão que, estava longe de saber, viria a determinar o trajeto da minha vida pessoal e profissional. Esse foi igualmente o momento em que, pela primeira vez, tive contacto com a obra do Tenente-Coronel José Agostinho, autor incontornável para quem, nas palavras do meu orientador, se propunha dedicar ao estudo da geologia dos Açores.

José Agostinho nasceu em Angra do Heroísmo, a 1 de março de 1888, formou-se na Escola do Exército e foi um distinto militar que combateu em França durante a Primeira Guerra Mundial. Terminada a Grande Guerra regressou aos Açores para ingressar como observador no Observatório Meteorológico de Ponta Delgada, em S. Miguel, então dirigido pelo não menos notável Coronel Francisco Afonso Chaves, fundador do Serviço Meteorológico dos Açores. Certamente inspirado pela personalidade, pelo percurso e pela obra deste último, José Agostinho viria a tornar-se um dos mais célebres naturalistas da sua época, sendo ainda hoje uma referência histórica em áreas tão diversas como as da meteorologia, climatologia, vulcanologia, sismologia, geofísica, biologia, história e etnologia, entre outras.

Muito já se disse e escreveu sobre o Tenente-Coronel José Agostinho, pelo que, nesta breve nota que muito me honrou redigir, me limitarei a relembrar algumas das suas observações e reflexões sobre a geologia e a geodinâmica dos Açores, reveladoras da sua extraordinária capacidade para olhar a natureza que o rodeava, dela extrair os factos mais importantes, e da sua análise integrada e multidisciplinar concluir sobre o seu significado ou suscitar novas questões.

Regressemos, então, a 1985.

Foi numa sala fria do Centro de Geologia da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa, na rua da Escola Politécnica, onde era tarefeiro nos intervalos do estudo, que li com atenção o artigo "Sobre a Tectónica de Santa Maria", escrito quase cinquenta anos antes por José Agostinho e publicado na revista Açoreana, o Boletim da Sociedade Afonso Chaves. Debruçado sobre a grande mesa de madeira maciça que ocupava o centro da biblioteca situada ao fundo do corredor, recordo-me como percorria com o indicador direito a Carta Militar de Santa Maria para localizar os múltiplos topónimos que José Agostinho enumerava para dar conta da distribuição geográfica dos afloramentos calcários ali existentes e que serviam de referência estratigráfica para separar as formações vulcânicas basálticas mais antigas das mais recentes. Para quem como eu nunca tinha visitado os Açores, o jeito que teria dado nessa altura uma ferramenta como o Google Earth!

Nesse mesmo trabalho, datado de 1937, José Agostinho já apontava a ilha de Santa Maria como sendo a mais antiga do arquipélago, ao registar que não tinha vulcanismo recente, que as suas lavas mais "frescas" (recentes) se encontravam mais "gastas" (alteradas) do que as de todas as outras ilhas, e que não apresentava «manifestações de vulcanismo secundário, nem sequer sob a forma de fontes termais». A confirmação de tal facto só viria no final dos anos 60, meados dos anos 70, com a datação de rochas de Santa Maria e dos ilhéus das Formigas pelo método K-Ar, realizada por Abdel-Monem e seus colegas.

Embora tarde para um aluno do quinto ano de geologia, foi através do mesmo artigo de José Agostinho que tive consciência de que a orientação WNW-ESE do arquipélago era também a das principais cadeias ou "dorsos vulcânicos" das ilhas que o constituíam, uma observação feita a partir da análise do alinhamento das principais estruturas tectónicas que atravessam esta zona do Atlântico, da disposição dos principais sistemas vulcânicos que se lhes encontram associados e da localização dos epicentros dos principais sismos registados no Atlântico.

José Agostinho assumiu as funções de diretor do Serviço Meteorológico dos Açores por morte do Coronel Afonso Chaves, poucos dias antes do terramoto de 31 de agosto de 1926. O sismo teve epicentro no canal Faial-Pico e destruiu grande parte da cidade da Horta, onde foi sentido com uma intensidade máxima de X na Escala de Mercalli Modificada, provocando 9 mortes. Não admira, pois, que tal evento tenha sido um importante marco no acentuar do seu interesse em estudar e saber mais sobre a geologia dos Açores, cuja História é indissociável dos sismos e das erupções vulcânicas que têm marcado a evolução das ilhas, o desenvolvimento da Região e a cultura dos açorianos. A perceção da importância em promover o conhecimento em tal área das Ciências da Terra levou-o mesmo a defender a criação de um serviço geológico nos Açores.

A associação entre a tectónica, a sismicidade e o vulcanismo, experienciada de forma muito clara nos Açores, esteve sempre presente nos trabalhos de geologia de José Agostinho, que, em 1935, na revista Açoreana, perpetuou a comunicação oral que dois anos antes havia proferido em Lisboa, no Congresso da Associação de Vulcanologia da União Geodésica e Geofísica Internacional. Com duas décadas de antecedência relativamente à confirmação da expansão dos fundos oceânicos e muito antes da Teoria da Tectónica de Placas, que só se viria a desenvolver nos finais dos anos 60, José Agostinho identificava as principais orientações tectónicas do Atlântico através da distribuição espacial dos sismos, e associava a localização dos Açores ao cruzamento de duas importantes linhas estruturais: o "dorso" sismicamente ativo que se desenvolvia ao longo do eixo do oceano Atlântico, e uma linha em "arco" que se estendia de Marrocos aos Açores, prolongando-se para oeste embora aí com menor atividade sísmica. A interceção de tais estruturas tectónicas corresponde à hoje designada Junção Tripla dos Açores, elemento-chave na ainda controversa discussão do jogo entre as placas litosféricas Euroasiática, Núbia e Americana nesta região do Atlântico.

Nesse mesmo artigo, que resume muitos anos de observação e estudo, José Agostinho elenca os mais importantes sismos e crises sísmicas registados nos Açores, lista os principais vulcões do arquipélago e identifica as várias erupções históricas, apresentando factos e tecendo considerações hoje igualmente confirmadas sob o ponto de vista científico. Enquadra-se, neste contexto, a constatação de que os sismos nos Açores não são tão violentos como os «magníficos terramotos que assolam o Japão ou o México », e que a destruição que provocam é essencialmente devida à má construção das edificações. Efetivamente, e como se veio mais tarde a demonstrar, os sismos de maior magnitude estão sobretudo associados a ambientes tectónicos convergentes, como os que caracterizam as zonas de subdução do Círculo de Fogo do Pacífico.

José Agostinho evidencia também a existência de situações onde é notória a correlação espacial e temporal entre sismos e erupções vulcânicas, sublinhando que, nesses casos, os sismos, mesmos os mais fortes, têm uma ação que se faz sentir, sobretudo, na "vizinhança" do centro eruptivo, e ocorrem muitas vezes de forma contínua, parecendo que «o solo está em permanente trepidação». Estas são igualmente observações relevantes para uma época em que a sismologia vulcânica ainda não tinha nascido, sabendo-se hoje que os eventos de origem vulcânica são, normalmente, menos profundos e de mais baixa frequência, fazendo-se sentir numa área mais circunscrita e com menor energia, e que o fenómeno de ascensão magmática é caracterizado por tremor vulcânico.

Quanto aos "abalos destruidores", José Agostinho identificou-os como tectónicos, bem distintos dos de origem vulcânica, tendo concluído que só se «manifestam nas zonas onde a atividade já emigrou ou está em decadência», com base José Agostinho, da observação à comunicação na localização dos respetivos epicentros.

Ao revisitar muitos dos trabalhos escritos por José Agostinho, não podia deixar de fazer uma referência ao seu artigo intitulado Atividade Vulcânica dos Açores, publicado na revista Açoreana, em 1960. Sendo uma súmula das erupções vulcânicas registadas no arquipélago, e muito em particular das erupções submarinas, José Agostinho faz, nesse artigo, uma referência que passou praticamente despercebida até à década de noventa. A propósito da atividade eruptiva na ilha de S. Miguel, José Agostinho sublinha ter «relutância em admitir que se tenha dado realmente em 1444 uma erupção no interior da cratera das Sete Cidades, em vista da falta absoluta de dados positivos a tal respeito».

A alusão a um tal evento havia sido feita por Gaspar Frutuoso no seu Livro Quarto das Saudades da Terra, com base nos relatos que constavam no diário de bordo do piloto do navio que regressou a S. Miguel para iniciar o povoamento da ilha. Nele constava que ao aproximar-se da ilha, «o piloto e os do navio viram no mar pedra pomes e troncos de árvores», não tendo reconhecido o pico que haviam registado na extremidade ocidental de S. Miguel aquando da descoberta da ilha. Com base em tais relatos e na interpretação de outros testemunhos, muitos autores localizaram uma erupção vulcânica no Vulcão das Sete Cidades, algures por altura do povoamento da ilha de S. Miguel, em 1443-44. Só em 1995, com base em dados estratigráficos e vulcanológicos, e na reinterpretação dos elementos documentais existentes, é que Queiroz e outros provaram que tal erupção teve lugar no Vale das Furnas e não nas Sete Cidades, dando assim razão às questões colocadas por José Agostinho 35 anos antes, em resultado das suas objetivas observações de campo.

José Agostinho não foi apenas um ilustre naturalista açoriano. Membro de várias sociedades internacionais, o seu trabalho foi reconhecido além-fronteiras através dos artigos que escreveu e das muitas palestras e conferências que proferiu nos mais diferentes palcos. O facto de saber várias línguas facilitou-lhe a comunicação, tendo publicado em várias revistas estrangeiras, mas também traduzido trabalhos e apontamentos de outros autores, em francês, inglês e alemão, de relevante interesse.

A par de Afonso Chaves e de Frederico Machado, pode dizer-se que José Agostinho foi um dos precursores da escola de Vulcanologia que nasceu nos Açores enquanto corrente de pensamento daquela que é uma das mais fascinantes disciplinas da Geologia. As observações de tais "mestres" ainda hoje prevalecem e as reflexões que fizeram e publicaram para as explicar mostraram-se acertadas ou suscitaram novas questões e outras interpretações, assim contribuindo para a construção do conhecimento que hoje temos sobre a geologia dos Açores. Mas para além de pioneiros neste domínio também se preocuparam em divulgar à comunidade o que observavam e pensavam, e José Agostinho foi, neste contexto, um comunicador de excelência, como o atestam as palestras que proferiu aos microfones do Rádio Club de Angra ao longo de vários anos. Prestes a retomar o caminho que iniciei com a leitura do meu primeiro artigo científico sobre os Açores, nada mais oportuno do que reviver os tempos que passei com José Agostinho através dos seus notáveis trabalhos.

Aos que pensaram, coordenaram e tornaram este projeto uma realidade, os meus parabéns.

Ao Tenente-Coronel José Agostinho, pelo seu exemplo e legado, um eterno Obrigado!
João Luís Gaspar, Vulcanólogo

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Última actualização 2023-02-15