José Agostinho, palestras na rádio 

José Agostinho — Comunicador de Ciência

O desafio de escrever sobre o Tenente-Coronel José Agostinho traz consigo uma enorme responsabilidade, e estou certa de que as minhas palavras nunca poderão abarcar toda a sua colossal dimensão, é com esta ressalva que prossigo este modesto texto.

José Agostinho foi (é) o verdadeiro Humanista, o seu saber distribui-se por áreas como a arqueologia, história insular, literatura, arte, ornitologia, meteorologia, climatologia, magnetismo, vulcanismo, entre tantas outras. Este vasto conhecimento moldou uma personalidade incrivelmente consciente e conhecedora do meio envolvente. O saber de que é detentor, em tão variadas áreas, permitiu-lhe perceber a ilha, o arquipélago e o mundo como um todo, numa abordagem holística e integradora que compreende todas as dimensões da existência, desde as forças telúricas de poder criador, ao natural aparecimento da vida, culminando na forma como o Homem vive e se relaciona com a paisagem que o envolve. Na verdade José Agostinho é, a meu ver, uma das mais completas personalidades açorianas de todos os tempos, que de uma forma tão natural e lógica, reconhece e transmite uma simbiose entre o natural, o social e o cultural. A dimensão deste homem é internacional, era poliglota, colaborou com universidades de vários países e contribuiu com artigos científicos para revistas internacionais, entre eles o célebre artigo "Volcanic Activity in the Azores", publicado no Boletim da Associação Internacional de Vulcanologia em 1937.

Além de cientista reconhecido internacionalmente, José Agostinho era também exímio comunicador, o que facilmente se compreende através da leitura das suas cartas, artigos ou escritos, mas também ouvindo as palestras por ele proferidas no Rádio Club de Angra. As palestras do Tenente-Coronel são de conteúdo incrivelmente variado e quem quer que dispense alguns minutos do seu dia para as ouvir, ficará certamente atónito com a sua multidisciplinaridade e com o domínio do interlocutor em cada um dos temas. A geografia, a geomorfologia, sismologia e vulcanismo são algumas das temáticas abordadas que, certamente assumiram grande responsabilidade na forma como os açorianos compreendem e encaram a génese das suas ilhas. Transcreve-se aqui um pequeno excerto de uma das suas palestras no Rádio Club de Angra, aquando do 1º aniversário do Vulcão dos Capelinhos (1958).

Uma erupção vulcânica não é fenómeno de estranhar nestas ilhas cuja formação é totalmente devida a atividade desta natureza. (…) Do que foram essas primeiras convulsões vulcânicas que pelos milénios fora foram dando corpo a estas ilhas, poderemos julgar, comparando aquilo que temos como grande violência da erupção do Faial, mas que afinal formou pouco mais de 30 moios de terreno, com o que teriam sido os gigantescos e apavorantes cataclismos vulcânicos que acompanharam a formação, por exemplo, da Caldeira dos Cinco Picos ou da Serra de Santa Bárbara. A que alturas fantásticas terão subido as colunas de fumo, de cinzas, de materiais em brasa que acompanharam tais erupções? (….) O que são 300 ou 400 metros de lava que tem corrido de vez em quando nos Capelinhos, com quilómetros de extensão da lava que correu, sabe Deus quando, mas já esta nossa ilha estava bem formada, e encheu a Caldeira Guilherme Moniz, transbordou para nordeste até às Lajes, a sueste até à Serretinha enquanto outro ramo de umas duas léguas, desceu pelos Patameiros, rodeou a Matela e veio cobrir tudo desde os Portões de São Pedro até ao Pesqueiro de São Bartolomeu. Deus do Céu, ainda bem que tudo se passou antes de haver gente com uso de razão, pois isso faria endoidecer de pavor as criaturas que presenciassem tão portentosas catástrofes em comparação com as quais o explodir de uma bomba atómica é uma brincadeira.

Esta descrição revela de forma simples e clara, as capacidades comunicativas de José Agostinho, que aproveita o evento a decorrer (a erupção do vulcão dos Capelinhos) como exemplo para que os ouvintes possam compreender fenómenos do passado e mais, aproxima o fenómeno em si da condição e fragilidade humana.

Ele detinha a noção inata de que o discurso deve chegar de forma direta ao seu recetor e sobre o discurso dos cientistas diz o seguinte:

(…) De mistura com informações que toda a gente está apta a compreender (…) aparecem termos técnicos, expressões não imediatamente compreensíveis pelo vulgo informado, e até por pessoas cultas, alusões a fenómenos mencionados com nomes abstrusos, conduzindo a uma confusão que, por vezes, em vez de esclarecer, mais obscurece ainda o público que anseia obter explicações tanto quanto possível, claras e precisas.

De facto, ele descreve ou define fenómenos e formas de modo a que todos compreendam, um singelo exemplo é a definição de lagoa que ele refere numa das suas palestras como «ajuntamento de água permanente com altura que baste, pelo menos para afogar um homem, o resto são charcos». Pequenas pérolas que se revelam a quem se embrenhe no seu legado. A forma clara de comunicar é uma das características que o distingue de outros grandes homens da ciência – José Agostinho é um verdadeiro comunicador.

A sua forma e jeito de comunicar refletem-se também na incomensurável quantidade de pessoas com quem se correspondia (a nível internacional), com interesses nas mais variadas áreas e com níveis de conhecimento tão distintos - a todos ele respondia, aproveitando para informar e formar. Quantos destes correspondentes não foram autênticos discípulos, curiosos que calibraram o seu olhar e a sua perceção do meio envolvente, à luz das orientações contagiantes do mestre. Esse contágio, espelho da dimensão da sua mente, perdura no tempo e entusiasma, como referi antes, quem se embrenhe na leitura dos seus escritos ou a ouvir as suas deleitosas palestras.

Direta ou indiretamente, a recomendação e orientação que dava aos seus correspondentes – autênticos "coletores de informação" - traduzia-se na eficiência do investigador através do rigor da observação. Numa das suas cartas, esta a Jacob Tomaz da ilha da Flores, ele chega mesmo a referir o seguinte:

Acredite que a maior parte do mérito dos homens que fazem coisas de valor está no método, no respeito absoluto pela verdade, no escrúpulo, na faculdade de arrepiar caminho quando se conhece que se errou. (…) Ter em tudo o maior escrúpulo e nenhuma pressa de tirar conclusões.

Esta transcrição revela a humildade deste homem, que não se acanha em partilhar com quem o queira absorver, o seu conhecimento e sabedoria.

O meu interesse e curiosidade por José Agostinho foram aguçados pelas pesquisas que realizei sobre o vulcão dos Capelinhos. Durante a erupção, que teve início a 27 de setembro de 1957 e se prolongou por intermináveis 13 meses, o Tenente-Coronel esteve perto do fenómeno (pela sua inata capacidade científica) e das gentes (pela sua também inata capacidade de comunicar). Com entusiasmo ele referiu que «não é sempre que aparece um vulcão tanto à mão como esse» e certamente que não desperdiçou a oportunidade de observar de perto os Capelinhos tendo sobrevoado o vulcão ainda nas primeiras horas de erupção e depois mais seis vezes no decorrer da atividade vulcânica. Conseguimos perceber a curiosidade do cientista em conhecer e acompanhar o fenómeno de perto, mas também a modéstia e sensatez do homem, acalmando a população apavorada e aconselhando que seguissem as recomendações do então Diretor das Obras Públicas, Eng.º Frederico Machado - também entendedor do fenómeno e com quem trocava relevantes informações.

O Vulcão dos Capelinhos foi o primeiro vulcão submarino do mundo a ser devidamente acompanhado e estudado durante toda a sua atividade. Principalmente por estar "ali à mão", a atividade deste vulcão despertou a curiosidade e atenção de cientistas internacionais, gerando um frenesim no mundo da vulcanologia, que era alimentado por longas viagens, notícias nos jornais, publicações científicas e trocas de correspondência entre os Açores e o mundo. Claramente José Agostinho foi um aceso tributário deste frenesim. Durante os anos que se seguiram à erupção, manteve correspondência com várias pessoas na ilha do Faial, que lhe enviavam tanto amostras, registos de temperatura ou do estado de evolução do cone como mesmo informação sobre a retoma ao quotidiano nas zonas mais afetadas. Entre estes correspondentes está o hoje vulcanólogo Prof. Dr. Vitor Hugo Forjaz, então com 17 anos de idade. O seu conhecimento sobre ciências da Terra era tudo menos superficial, e as suas publicações nesta matéria são extremamente completas e acuradas, tomemos como exemplo a descrição que faz sobre as características geológicas da ilha Terceira (no documento "Topics on the geology of Terceira Island, Azores"). Esta caracterização começa por enquadrar a ilha Terceira na formação dos Açores e prossegue incluindo informações que vão desde a tectónica à composição das lavas, passando pela descrição das formas de relevo. Este documento inclui ainda um esboço/esquema da ilha onde se assinalam alguns elementos da paisagem, e que não poderia deixar de aqui apresentar por revelarem a sua distinta capacidade de observar e esquematizar a informação.

Há, portanto, duas referências transversais a todos os temas a que José Agostinho se dedicou – a perceção que tem do meio que o envolve e a forma tão clara e adequada ao recetor, com que transmite essa perceção. Como referem vários correspondentes, era capaz de, com as palavras, criar cenários e transportar-nos para esses locais e fenómenos. A minha vontade seria aqui transcrever os seus escritos e palestras, certa que por si só revelariam a dimensão deste homem, sem sombra de dúvida um dos açorianos mais importantes de todos os tempos. Foi, e continua a ser uma inspiração.
Salomé Meneses, Geóloga

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Última actualização 2023-02-15