José Agostinho, palestras na rádio 

Alguns dados para o perfil de José Agostinho

Nesta breve resenha não se pretende traçar uma biografia do cientista, mas apenas dar a conhecer algumas facetas menos conhecidas do seu percurso.

Nascido em 1888, foi incorporado, como voluntário, no Exército, em 1911. As notícias sobre a sua pessoa começam a surgir com alguma regularidade na imprensa, como acontecia com outros cidadãos com o mesmo estatuto social, nomeadamente as suas partidas e chegadas à cidade. Em janeiro de 1917, ficou registado que o capitão de artilharia regressou do Faial, seguindo para Lisboa, onde acabara de ser colocado. Dois meses depois, sai a notícia de que se encontrava em França, juntamente com mais alguns oficiais terceirenses, com o posto de capitão e membro do Corpo Expedicionário Português. Em março de 1918 foi anunciado o seu regresso da frente de batalha, com licença da Junta de Saúde, mas surge pela primeira vez, associado ao nome, o atributo de "oficial muito conhecedor"1.

A personalidade de José Agostinho vai sendo cada vez mais reverenciada, por cada condecoração atribuída pelas suas façanhas militares. O seu reconhecimento público subiu um patamar, em julho de 1919, ao ser condecorado com o grau de Cavaleiro da Ordem da Torre e Espada, do Valor, Lealdade e Mérito, pelo modo exemplar como comandou a sua bateria militar. Acontece que esta condecoração se limitou ao regis to escrito, pelo que um grupo de amigos e admiradores resolveu coletar-se para lhe oferecerem o devido colar e insígnias, encomendados à casa Frederico da Costa, em Lisboa. A imprensa deu relevo ao facto que decorreu numa das salas da sua residência, onde foi feita a entrega, com mensagens de amigos. O jornal realça os discursos que incidiram nos atos de coragem e disciplina por ele praticados e acrescenta que ao «homem de ação sucede o pensador, ao artilheiro aventuroso, ao guerreiro ousado, sucede o homem de gabinete e das meditações»2. O Tenente-coronel Paula Rego caraterizou a primeira parte da sua carreira como a de um sabedor consciente, mas numa segunda fase «transluz o homem de estudo e verdadeiro cultor da ciência». O elogio resultava de um louvor recebido pelos serviços prestados na montagem de um aparelho de telegrafia sem fios para receção da hora oficial vinda da Torre Eiffel, ao colaborar com o coronel Afonso Chaves.

Com esta homenagem e a divulgação feita pela imprensa, José Agostinho passou a ser conhecido pelo grande público como um homem de ciência, num pedestal superior ao do ofício de militar, sendo tratado com o atributo de "ilustre". Ou seja, aos 30 anos de idade, José Agostinho já era reconhecido pela imprensa terceirense como uma figura de projeção insular e nacional, caminhando logo de seguida para o campo científico internacional.

A sua intervenção pública começou a ser requisitada na década de 20. Em 1925, fez uma palestra na Fanfarra Operária, onde abordou o problema dos sismos que haviam atingido o Japão, a América e a Itália, com a finalidade de tranquilizar a população. O reconhecimento da sua dedicação à área da vulcanologia continuou com uma longa entrevista3 sobre o sismo no Faial, e na Recreio dos Artistas proferiu uma conferência sobre a Atlântida, iniciando com alguma frequência a publicação de artigos na imprensa sobre aviação, meteorologia e telegrafia sem fios, realçando a importância dos Açores na navegação aérea. Para além dos artigos na imprensa, proferiu uma série de palestras aos microfones do Rádio Club de Angra, sobre temas muito variados.

Reconhecido como cientista, foi chamado a intervir, em 1927, aquando do aparecimento de duas andorinhas que se haviam perdido do bando. José Agostinho foi observá-las numa casa onde pousaram e classificou-as. Disse, então, que não eram da espécie chamada "Andorinha-das-chaminés" (Hirundo rustica), de que existem alguns exemplares no museu de Ponta Delgada. A partir de então passou a ser também "ilustre homem de ciência que anda a estudar as aves de arribação".

Em agosto de 1928, o "arrojado aviador espanhol", Ramon Franco, passou pela Terceira com a missão de preparar o voo aéreo para a América do Norte. José Agostinho foi convidado a acompanhá-lo na viagem até à Horta, por causa dos seus conhecimentos meteorológicos.

O seu interesse pela ciência levou-o a aprofundar os contactos internacionais, pedindo autorização ao ministro da instrução para participar nos trabalhos que a Comissão Internacional de Alta Atmosfera realizava em Madrid, o que foi altamente apreciado pela imprensa.

Na década de 20, conjuntamente com os seus trabalhos científicos, José Agostinho dedicou-se também à causa pública, atividade que não tem sido muito referida. Numa conjuntura em que os militares desempenhavam um papel político de primeiro plano, com a implantação da Ditadura Militar, José Agostinho esteve ligado à gestão camarária. Começou como vogal, nomeado pelo Delegado Especial do Governo para os Açores, coronel Silva Leal, tendo sido eleito, pelos seus pares, presidente da comissão executiva. A experiência teve curta duração pelas razões que se seguem.

A municipalização da empresa de Iluminação Elétrica de Angra vinha sendo discutida por causa dos maus serviços que prestava. Os jornais denunciavam a falta de lâmpadas, a existência de fios derrubados, transformadores que não satisfaziam as condições técnicas e postos de madeira que deviam ser substituídos por outros em cimento armado.

Depois de prolongadas negociações, a empresa aceitou o preçário estipulado, mas logo de seguida levantou outras imposições. Perante novos factos, a Câmara decidiu municipalizar os serviços. Gerou-se então um movimento para que fossem demitidos os corpos administrativos, a fim de serem lá colocados elementos afetos à empresa privada. O jornal A União, na altura já propriedade da diocese, tomou partido nesta refrega, dado que a Igreja era acionista, sendo representada pelo padre Costa Ferreira. A este, juntaram-se outros interessados com bastante peso político local, como Amadeu Monjardino, Henrique Braz e Guilherme Braz. O valor da municipalização dos serviços foi decidido em tribunal, com uma proposta que agradou aos acionistas. José Agostinho, então presidente da comissão administrativa, não concordou com esses valores, mas os seus camaradas vereadores votaram favoravelmente a decisão do tribunal. Desiludido com a situação, demitiu-se do cargo que ocupou apenas dois meses (9 de outubro a 22 de novembro de 1928).

A experiência negativa na Câmara Municipal não o impediu de ser procurador à Junta Geral, e colaborar na elaboração de relatórios sobre determinados temas. Deste modo, acabou por dirigi-la entre 1944 e 1945, numa conjuntura de crise onde eram escassas as verbas para qualquer empreendimento. Embora permanecesse como procurador da Junta noutros anos, a sua passagem pela vida político-administrativa, como presidente dos referidos organismos, não lhe trouxe qualquer renome. A sua notoriedade ficou centrada na área científica, razão pela qual foi agraciado algumas vezes, antes e depois do 25 de abril.

HOMENAGENS A JOSÉ AGOSTINHO
Manuel Batista de Lima não quis deixar o cargo de presidente da edilidade, em abril de 1965, sem atribuir a José Agostinho a medalha de ouro da cidade, com colar. O texto louva os seus méritos militares, mas enaltece-o por ser um dos "mais notáveis cientistas açorianos de todos os tempos", nomeadamente nas áreas da meteorologia, climatologia, ornitologia, vulcanologia e mineralogia, além da atividade como investigador na área da história.

Em agosto de 1977, passou a figurar na toponímia angrense, com uma placa a substituir o nome da avenida Engenheiro José Frederico Ulrich/28 de setembro. A proposta partiu da Junta de Freguesia de São Pedro que enviou um ofício à Câmara Municipal, em fevereiro de 1977, solicitando essa alteração por considerar que os "moradores desta artéria não queriam mais o nome de Avenida 28 de Setembro, pelo que de triste representa na memória do povo português".

Refresquemos um pouco a memória. Frederico Ulrich havia sido ministro das Obras Públicas no governo de Salazar e ligado a alguns projetos de vulto no distrito, pelo que foi homenageado pelas autoridades locais. Com a revolução de abril, procedeu- se à alteração toponímica da cidade, mudando os nomes ligados ao antigo regime. Deu-se então a substituição por Avenida 28 de Setembro. Ora, esta data corresponde à manifestação da Maioria Silenciosa, em 1974, uma intentona preparada pela direita mais conservadora e reacionária que pretendia travar a evolução do processo de democratização da sociedade portuguesa. Esse movimento tinha como figura de proa o general Spínola, que se opusera ao processo de descolonização, não tencionara desmantelar a PIDE e não concordava com o rumo político defendido pelos capitães de abril. Esta conspiração da direita, repetida depois a 11 de março de 1975, foi derrotada, mas ficou marcada na memória das forças políticas democráticas, pelo que de triste representava para o povo português, como se expressou a junta de freguesia de São Pedro, presidida por Olivério Lopes.

A Câmara Municipal aceitou o pedido de alteração da toponímia, prestando homenagem a José Agostinho a 23 de agosto de 1977, com a atribuição do seu nome à avenida, mas também a denominação de Observatório Meteorológico José Agostinho, por proposta do Instituto Nacional de Meteorologia e Geofísica. O Presidente da República, Ramalho Eanes, condecorou-o com o grau de Grande Oficialato da Ordem de Santiago da Espada, tendo o Ministro da República para os Açores, general Galvão de Figueiredo, feito a entrega do mesmo. A homenagem incluiu ainda uma exposição bibliográfica na biblioteca pública e um colóquio sobre a vida e obra do homenageado.

Este reconhecimento público voltou a ser prestado pela Câmara Municipal, na área junto à praia do Fanal com a inauguração do jardim com o seu nome, contendo uma escultura da autoria de Jorge Melício, por ocasião das festas sanjoaninas em 2021. Carlos Enes, Historiador

NOTAS:
1. A União, 18-04-1918.
2. A União, 13-03-1921.
3. A União, 11 e 14-09-1926.

2021 © Câmara Municipal de Angra do Heroísmo

Última actualização 2023-02-15