Início Recreação e lazer Trilhos pedestres Intro

Mistérios Negros

O percurso tem início próximo de uma casa que recria a tradicional habitação rural terceirense, com uma típica chaminé de “mãos-postas”. Trata-se do Centro de Receção àqueles que pretendem visitar a Gruta do Natal, uma cavidade vulcânica explorada turisticamente pela Associação Os Montanheiros. Aqui está também a Lagoa do Negro, de dimensões reduzidas, mas de importância ecológica, nomeadamente ao nível da avifauna migratória.

Ao iniciar a caminhada, segue por um caminho de escórias basálticas vermelhas conhecidas como “bagacina”, muito utilizadas nos Açores para construção de caminhos rurais. Atravessa depois uma pastagem até encontrar cenários mais naturais. Misturadas com a criptoméria (Cryptomeria japonica), árvore comum nos Açores plantada para produção de madeira e sebes de proteção, resistem nos estratos inferiores as urzes (Erica azorica), rapa (Calluna vulgaris), alguns cedros-do-mato (Juniperus brevifolia) e muitas outras plantas que compõe as comunidades naturais. Ouve-se o cantar curto e estridente da estrelinha (Regulus regulus inermis). Passa-se ao lado de um charco que no inverno e primavera se transforma numa das 3 lagoinhas do Vale Fundo. De verão reinam os juncos.

Avance até encontrar uma bifurcação: siga primeiro pela direita para visitar a segunda e única das lagoinhas que mantém água todo o ano. Este complexo de zonas húmidas, todas com água livre no inverno, é importante para aves migratórias que acidentalmente aqui chegam, nomeadamente patos e garças. Não perca a oportunidade de fotografar esta lagoinha que embora modesta em tamanho seduz pela sua envolvência. Após este desvio volte ao percurso principal e continue. Em breve está a contornar um charco que na época de chuvas se transforma na última das lagoinhas do Vale Fundo.

Atravessa uma zona de rapa com algumas acácias à mistura (Acacia melanoxylon), árvore exótica muito utilizada na ilha, e chega finalmente junto dos Mistérios Negros, precisamente ao doma do meio. Estes domas lávicos são elevações resultantes de erupções de magmas traquíticos. Esta parte do passeio requer atenção redobrada e mais alguma ginástica.

De acordo com relatos históricos, a formação dos Mistérios Negros começa a 22 de novembro de 1760 com grandes terremotos, que continuam com frequência até o dia 17 de abril de 1761 em que ocorre a erupção “com estrondos subterrâneos semelhantes a descargas de artilheria.” Formam-se os 3 domas de rocha negra que vê, ainda hoje em processo de colonização. Depois de alguns minutos terá atravessado estas rochas irregulares de arestas vivas, por entre pequenas ravinas e sob uma floresta que tenta subir às partes mais altas. Está agora na Reserva Natural da Serra de Santa Bárbara e dos Mistérios Negros e na Área Protegida para a Gestão de Habitats ou Espécies do Planalto Central e Costa Noroeste.

De forma inesperada chega ao final de um caminho abandonado, por onde deve seguir durante 700 metros. À medida que avança a paisagem revela-se cada vez mais envolvente e agradável. Vê o manto verde que rodeia os Mistérios Negros, enquanto começam a surgir picos de erupções pré-históricas: os Picos Gordos forrados de criptoméria, por detrás destes o maciço central da ilha e à direita o Pico Gaspar.

Neste caminho por vezes bastante escorregadio, observam-se frequentemente nas partes mais esburacadas e irregulares umas crostas finas, de até 5 mm de espessura, endurecidas e impermeáveis, constituídas por um material vítreo de cor castanho avermelhado. São horizontes plácicos, designação dada a estes estratos tipo lâminas, que ocorrem devido à precipitação do ferro e outros elementos químicos em terrenos de natureza vulcânica.

Sai deste caminho virando à esquerda, de acordo com a sinalização, seguindo um atalho por entre árvores, onde foram enterrados no chão lamacento alguns toros de madeira sobre os quais deve caminhar e, noutros locais, vedações para o afastar das zonas mais encharcadas. Em breve estará junto a um marco geodésico deste Pico da Cancela. Para oeste avista uma das paisagens agrícolas mais típicas destas zonas altas do interior da ilha: pastagens permanentes compartimentadas por sebes de criptoméria. À esquerda, a península do Monte Brasil perfila-se na paisagem. Na fronteira com o mar está a igreja de S. Mateus da Calheta. Sobressai de tal forma no povoado que era utilizada pelos pescadores desta freguesia para fazerem alinhamentos para posicionarem os barcos sobre os melhores locais de pesca.

Deixe o marco geodésico para trás e continue pela mata. Chega ao antigo caminho de acesso ao cimo deste pico com os musgos e fetos a dominarem os taludes. A descida é feita à sombra. No final, e após um pequeno desvio, chega ao caminho de asfalto. Vire à esquerda e siga umas dezenas de metros até chegar o início da subida ao Pico Gaspar, um vulcão truncado, cuja bonita cratera é um verdadeiro hotspot de espécies endémicas. A paisagem em redor mostra o alinhamento deste com outros pequenos cones vulcânicos, onde estão escondidos dois pequenos algares. Esta sucessão de erupções está assente sobre o denominado Rifte da Terceira: uma estrutura tectónica com cerca de 550 Km de comprimento, com origem na Dorsal Média do Atlântico, que atravessa as ilhas Graciosa, Terceira indo terminar na intersecção com a Falha da Glória que separa as placas tectónicas Euroasiática da Africana.

Desça, e de novo no caminho siga para a direita, sempre pelo asfalto até chegar ao ponto de partida. À sua esquerda observa umas pastagens irregulares, instaladas onde em tempos foi um campo de lavas provenientes de erupções fissurais que deixaram vários sinais da sua existência, nomeadamente algumas cavidades vulcânicas. No meio destes prados seminaturais, a poucos metros de si, encontra-se o Algar/Gruta do Mistério, um algar com cerca de 12 metros de altura que dá entrada a um tubo de lava de 151 metros de comprimento. O seu olhar vai certamente passar sobre ele sem, no entanto, se aperceber.

Terminado o passeio recomenda-se uma visita à já referida Gruta do Natal. Este tubo lávico, com cerca de 700 metros de comprimento de amplas dimensões e fácil trânsito, é em grande parte visitável. À medida que se percorre o seu interior é possível observar galerias ramificadas, passagens sobrepostas e alguns pormenores e estruturas geológicas. É conhecida pela população local pelas cerimónias religiosas aqui realizadas: batizados, a tradicional Missa do Natal e até um casamento. Este é o complemento que faltava para completar este passeio, de cariz fortemente geológico.
Paulo Barcelos – CMAH

2021 © Câmara Municipal de Angra do Heroísmo

Última actualização em 2021-06-19