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Furnas do Enxofre

As Furnas do Enxofre, localizadas no interior da ilha Terceira no Concelho de Angra do Heroísmo, situam-se entre os 583m e os 620m de altitude e são classificadas como Monumento Natural Regional. Trata-se de uma área de 64.746 metros quadrados, onde se observam fumarolas vulcânicas.

Na introdução do Decreto Legislativo Regional n.º 10/2004/A, que classifica as Furnas do Enxofre como Monumento Natural Regional, afirma-se que essas furnas: "...correspondem a um fenómeno de vulcanismo secundário designado por fumarolas, consistindo na libertação de gases para a superfície através de um sistema de fissuras, em torno das quais se formam alguns depósitos de enxofre; considerando que este local é também considerado como parte integrante de um habitat natural situado numa área de relevância europeia ao nível da conservação da natureza, constando da lista dos sítios de importância comunitária para a região biogeográfica da Macaronésica da Rede Natura 2000, sob a designação "Serra de Santa Bárbara e Pico Alto". Considera-se ainda que: “….as suas características únicas tornam as Furnas do Enxofre num dos espaços naturais privilegiados da região, com forte potencial de atracção de visitantes, justificando-se, por isso, a sua protecção e salvaguarda como área protegida (...).".

As Furnas do Enxofre são efectivamente umas das mais interessantes manifestações vulcanológicas do arquipélago açoriano, com fenómenos únicos como, por exemplo, a formação de cristais de enxofre.

É rara a formação de cristais a partir de um gás ou de uma mistura gasosa. O exemplo mais comum é o crescimento dos cristais de neve na atmosfera por ressublimação, quando ocorre a passagem de vapor de água atmosférico (um gás) para o estado sólido. Esse mecanismo também acontece aquando da formação de cristais de enxofre e de outros cristais em torno das fumarolas. Aí, o sulfureto de hidrogénio ou ácido sulfídrico (gasoso), H2S, reage com dióxido de enxofre, SO2 (também gasoso), e origina enxofre elementar e água. Por outro lado, os átomos dos elementos dissociados agrupam-se lentamente quando se dá o arrefecimento das fumarolas e vapores carregados de enxofre, até se formar um sólido com uma estrutura cristalina bem definida.

Quimicamente, o enxofre é um não-metal insípido e inodoro, contrariamente aos seus compostos gasosos que podem ter um cheiro intenso, facilmente reconhecido na forma de cristais amarelos que ocorrem em diversos minerais de sulfito e sulfato, ou mesmo na sua forma pura. A forma pura de enxofre pode ser observada nas fumarolas das Furnas do Enxofre e o cheiro mais ou menos intenso, aí detectado, provêm de compostos contendo enxofre.

Os sistemas cristalinos de enxofre mais comuns são os octaedros ortorrômbicos (enxofre α) e os prismas monoclínicos (enxofre β). É a temperatura o principal factor responsável pela transição de um sistema cristalino para o outro. São as diferentes disposições destas moléculas, S8, que produzem as diferentes estruturas cristalinas. A temperatura de transição entre esses dois sistemas é de 95,5 °C, temperatura essa comummente encontrada nas Furnas do Enxofre. As temperaturas do campo fumarólico das Furnas do Enxofre são bastante elevadas, variando de 95ºC à superfície a cerca de 130ºC a meio metro de profundidade.

Se a temperatura for muito elevada, o enxofre funde-se adquirindo uma coloração ligeiramente avermelhada e a sua viscosidade é também função da temperatura. A viscosidade máxima do enxofre líquido é atingida por volta dos 200ºC. Se houver arrefecimento rápido desse fluído, obtêm-se uma substância com propriedades plásticas denominado de enxofre plástico ou enxofre γ (gama).

O enxofre pode ser encontrado em diversos estados de oxidação nos compostos orgânicos e inorgânicos. Os microrganismos catalisam a oxidação e redução das diferentes formas de enxofre, estabelecendo deste modo um ciclo. O enxofre é um componente essencial da vida, estando contido em diversos aminoácidos na forma de grupo sulfidrila (-SH), além de ser um componente presente em vários co-enzimas. As plantas absorvem o enxofre do solo sub a forma de sulfato, e algumas bactérias utilizam o sulfureto de hidrogénio da água como dadores de electrões num processo similar a uma fotossíntese primitiva.

Nas Furnas do Enxofre é possível observar algas colonizando depósitos de enxofre, e plantas, briófitos e líquenes que vivem mesmo à saída das fumarolas. Alguns desses seres vivos são bioindicadores da qualidade do ar, revelando-nos que os níveis de dióxido de enxofre e ácido sulfídrico gasosos que saem das fumarolas, são efectivamente muito reduzidos. Em cima dos focos, mesmo junto à saída dos gases, o terreno é demasiado quente para permitir uma cobertura vegetal, mas na sua vizinhança surgem comunidades de musgos, hepáticas, algas e líquenes.

A biodiversidade de musgos e hepáticas do local tem cerca de 50 espécies registadas, algumas delas raras e existe também mais de 50 espécies de líquenes, de famílias diversificadas desde cladonias como a Caldonia azorica ou Cladonia macaronesica às Usneas.

As Furnas do Enxofre são um local único onde se combina a pedologia (o relevo, vegetação e a presença das manifestações hidrotermais que originam solos pouco permeáveis e únicos), a vulcanologia (fenómeno de vulcanismo secundário), a botânica (um vasto conjunto de plantas endémicas onde se destaca o Vaccinium cylindraceum - Uva da Serra), a biodiversidade (comunidade de seres vivos aí presentes) com o turismo (singularidade do local).

As Furnas do Enxofre, são, de acordo com o Professor Victor Hugo Forjaz, “…uma mostra da formação do arquipélago, além de um laboratório para o estudo da adaptação da vida animal e vegetal a meios ambientes de extremo rigor”.

As Furnas do Enxofre é uma zona com tendência para o encharcamento, uma vez que a precipitação anual nesse local se situa, em média, nos 2000 milímetros.

As referências históricas ás Furnas do Enxofre são imensas. Aquando das erupções vulcânicas do século VXIII, as únicas que ocorreram em terra desde o povoamento da ilha, no período de 17 de Abril a 29 de Abril de 1761 no lugar do Pico Gordo, freguesias dos Altares e dos Biscoitos, houve sinais prévios, relacionados com o enfraquecimento das fumarolas das Furnas do Enxofre. Assim, as Furnas do Enxofre também estão relacionadas com a memória e história das nossas gentes.

Francisco Ferreira Drummond, nos Anais da ilha Terceira, tem um relato do padre Antona, pároco dos Biscoitos, dos eventos antes, durante e depois da erupção anteriormente referida, quando este procurou refúgio na freguesia da Vila Nova: “Já no ano antecedente se notou que as Furnas do Enxofre, na caldeira desta ilha Terceira, deixara de fumar, o que parece fora prelúdio da seguinte calamidade: em 22 de Novembro de 1760 começaram a sentir-se nesta ilha grandes e violentos tremores e continuaram com frequência até 14 de Abril de 1761 em que tremeu a terra estranhamente, continuando até 17 daquele mês com pequenos intervalos”.
É a vida extremófila, o ambiente singular e a química heterogénea que são o bilhete de identidade das Furnas do Enxofre.
Félix Rodrigues
In: “Ícones Ambientais do Concelho de Angra do Heroísmo” - 2009

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Última actualização em 2022-08-27