Nildo Neves nasceu na Vila do Topo, ilha de São Jorge, mudando-se depois para a ilha Terceira em busca de melhores condições de vida, para si e para a sua família. Em 1951 estabelece-se na Rua da Sé, num prédio que tinha integrado até ao início do século XIX o Convento da Esperança, entretanto desaparecido. Depois disso, enquanto o primeiro andar servia como espaço de moradia, no rés-do-chão foram-se sucedendo diversos empreendimentos comerciais, ligados à venda de mercearias, vinhos, louças de barro ou drogaria, até, finalmente, Nildo Neves ter aqui instalado a sua loja de ferragens e utilidades domésticas a que deu o nome de Central de Ferragens. Mais tarde absorveu uma oficina de sapateiro que lhe estava contígua, ganhando o espaço que atualmente detém. Quando faleceu, em 2004, era já o filho mais velho Humberto Neves quem assumia a gestão e destinos desta loja comercial, que ainda hoje é sua, apesar de gozar uma justa reforma. Negócio tradicional, mantém-se hoje na família, pois são os seus dois filhos, Duarte e Nuno Neves que procuram resistir à pressão da modernidade e às dificuldades incontornáveis da concorrência e dos momentos de maior crise no sector.

Há lojas atafulhadas de história, onde o pó, a madeira furada pelo caruncho ou o verniz a lascar simplesmente não nos incomoda. Antes pelo contrário: conferem alma e personalidade. A loja do Nildo de Neves é uma dessas. É uma loja que ainda mantém o charme de outros tempos, acumulado por mais de 7 décadas de existência. Conjuga o estilo tradicional muito próprio deste tipo de estabelecimentos, que nos rodeia logo que entramos e olhamos os móveis e a forma como os produtos estão expostos, com toques de modernidade que se percebem apenas nos produtos, na transação comercial ou no atendimento. As paredes interiores desapareceram por detrás da madeira das gavetas que trazem apensas um exemplar do seu recheio, ou daquela que compõe as prateleiras nas partes mais próximas do teto. Foi usando a madeira das caixas que lhe chegavam com a mercadoria que, com paciência e engenho, Nildo Neves construiu a maioria das gavetas, prateleiras e suportes, que revestem as paredes e onde ainda hoje se faz a arrumação dos produtos.

Quantas mãos de pessoas comuns ou notáveis, desta cidade e de outras partes, terão pousado sobre aquele balcão em madeira onde ainda hoje se recebe o cliente, se mostra o artigo e se contam as unidades pretendidas?

Atrás de um vão em arco vemos outra sala repleta de mercadorias, mais reservada aos olhos do cliente, onde se guardam os produtos avulso para serem pesados numa antiga balança, nas quantidades solicitadas. Misto de loja de ferragens com drogaria, aqui encontramos de tudo um pouco, desde as peças, utensílios e ferramentas para aplicar e usar em tudo e mais alguma coisa, até produtos químicos, alguns dos quais aqui especificamente preparados de acordo com receitas tradicionais antigas, muito procurados para tratamento de madeiras por exemplo.

Uma frase referida recorrentemente por muitos nesta cidade, inclusive eu, sobre este estabelecimento e que atesta muito acerca do mesmo, é: “Se não encontrares em lado nenhum vai ao Nildo Neves que ele deve ter!”… e geralmente tem. Aqui há quase tudo, até aquelas coisas do tipo “fim de coleção” que já não se fabricam mais, mas que ainda por lá anda guardado um ou outro exemplar no fundo de uma gaveta. E se não houver exatamente igual logo surge outra solução para o nosso problema, tal a diversidade de produtos. Mas a longevidade deste estabelecimento não foi acompanhada por muitos dos seus tradicionais fornecedores obrigando, por vezes, irremediavelmente à procura de novas soluções.

A ilustrar tudo isso contam os netos do fundador que, devido às necessidades de outros tempos, o avô comprou uma grande quantidade de loiças que alugava para festas de casamentos e outros eventos, e que durante décadas fez parte do stock desta que é uma loja de ferragens. Quando, infelizmente, não encontramos aqui o que procuramos ficamos com aquela sensação de que não há em mais lado nenhum da ilha. Duvida que este espaço aparentemente reduzido possa ser repositório de tão vasto acervo? E tem razão. Mas há que contar ainda com dois outros armazéns onde estão guardados boa parte dos artigos. Por isso, não estranhe se tiver de esperar mais um pouco para lhe ser aviado o que procura e vir quem o atende a sair para ir à Rua de Jesus.

A longevidade de alguns negócios, quando outros falecem à sua volta, tem sempre uma razão de ser. É no gosto pelo legado da família e com a perseverança daqueles que têm vindo a liderar este negócio que as portas se mantêm abertas. Humberto Neves, filho do fundador, referia que “Os dias de hoje requerem muito trabalho e principalmente muita vontade de manter as coisas abertas, com a mesma dignidade que tem marcado este percurso. O orgulho que tenho neste negócio vale muitos dos esforços que faço para manter a boa saúde que tem.” Hoje são aos filhos Duarte e Nuno Neves que dão a cara pelo estabelecimento e a quem cabe manter os olhos postos no futuro e arranjar as formas e estratégias competitivas necessárias para perpetuar o negócio e garantir o seu espaço no mundo empresarial local. Vale a pena uma visita.
Paulo Barcelos - CMAH

O estabelecimento Central de Ferragens Nildo Neves está localizado na Rua da Sé nº 176, na cidade de Angra do Heroísmo. Pode ser visitado nos dias úteis das 9:00 às 17:00, em horário contínuo, e aos sábados das 9:00 às 12:30.