A Câmara Municipal de Angra do Heroísmo adquire em 1864 o domínio útil dos terrenos conhecidos por “Sítio Fagundes”. Mais tarde acabaria por comprar este prédio aos quais juntou depois outros, com intuito de ali estabelecer de forma faseada um Passeio Público.
A área compreendia as antigas cercas dos padres da Companhia de Jesus (Jardim de Baixo) e do Convento de S. Francisco (Bosques e Jardim de Cima). Entretanto o Conselho Agrícola Distrital toma o terreno por arrendamento à autarquia e ali estabelece a sua quinta experimental, dividindo o espaço do Jardim de Baixo em cinco secções: floricultura, fruticultura, horticultura, grande cultura e viticultura. No início de 1882 é o próprio Governador Civil Afonso de Castro que lembra a Câmara Municipal da necessidade de ser construído o já falado passeio público. Volvidos seis meses a Câmara tinha já pessoal destacado, com vista a esse fim. Finalmente, por deliberação de 18 de janeiro de 1888, este local de experimentação e de aclimatização de culturas, passa a denominar-se “Passeio Duque da Terceira”, ficando Angra com um recanto fascinante e estrategicamente localizado no coração da cidade, onde não chegam os rumores trepidantes da vizinha Praça Velha.
Desde o início da sua construção, em finais de 1882, foram várias as conceções estéticas implementadas neste jardim. Originalmente coube ao agrónomo belga François Joseph Dewander Gabriel, que em Angra se radicou, constituiu família e morreu, desenhar a zona do “Jardim de Baixo”, chefiar os trabalhos de instalação e cuidar do seu enriquecimento botânico. Fê-lo ao estilo francês (género Le Nôtre), onde caminhos cuidadosamente delineados realçam a simetria dos tapetes relvados, sobre os quais estão montados alguns canteiros sazonais e se alinham e emparelham árvores e arbustos. A repetição de elementos vivos, como as roseiras, os corpos de água geometricamente dispostos, as podas de topiaria ou que impõe de forma drástica uma conformação às árvores e arbustos são outras características deste estilo, presentes neste jardim.
Quem cruza a principal entrada no jardim, e avança pelos belos passeios calcetados, planos e serpenteantes, com reproduções iconográficas que nos dão a conhecer melhor vultos que contribuíram para fazer a história desta ilha, é incontornável não reparar no pequeno lago. Com capacidade para cerca de 55000 litros possui um gradeamento composto de silhuetas de uma estereotipada borboleta, que funciona como varandim delimitando a elipse onde se encontra este lago, qual trevo de cinco folhas, marginado por uns tapetes relvados onde crescem alguns fetos arbóreos. No seu interior nadam livremente carácios de formas e cores variadas.
Se por um lado as condições climatéricas específicas dos Açores permitiram uma fácil adaptação das espécies ornamentais introduzidas, também é verdade que ao longo dos anos alguns temporais produziram efeitos devastadores sobre o jardim. Ainda assim consegue-se observar uma grande variedade de espécies botânicas de origens nórdicas ou tropicais, sendo de facto (como alguém já antes o designou) uma estufa ao ar livre.
O valor do património vegetal deste jardim, além da significativa diversidade que possui (com cerca de 180 diferentes espécies arbustivas e arbóreas), conta também com algumas árvores centenárias que terão assistido à inauguração desse espaço e que o viram crescer à sua volta, como é o caso das araucárias (Araucaria heterophylla) de grande porte que aqui existem. Destacam-se também pelo seu grande porte: os tulipeiros (Liriodendron tulipifera), metrosideros (Metrosideros excelsa), um raro eucalipto-limão (Eucalyptus citriodora) muito procurado pelas suas folhas medicinais e uma portentosa sumaúma de flores cor-de-rosa (Chorisia speciosa). Um endémico e bem conformado dragoeiro (Dracaena draco) exibe nas suas cicatrizes uma seiva vermelho-vivo, matéria comercializada na Europa com o nome de sanguis draconis (ou sangue-de-dragão). Esta relíquia, utilizada em fármacos e em tinturaria, partilha o jardim com cicas, zamias e várias agavaceas de climas mais áridos. Outros destaques são: as cerca de uma dezena de diferentes palmeiras, grandes magnólias brancas (Magnolia grandiflora) e roxas (Magnolia soulangeana), uma Ginkgo biloba (espécie pré-histórica), uma canforeira (Cinnamomum camphora), um vinhático (Persea indica) e algumas espécies tropicais como o cafezeiro (Coffea arabica), as pálidas estrelícias augustas (Strelitzia nicolai) e algumas pérgulas de glicínias e buganvílias.
Os canteiros de plantas anuais distribuem-se pela maior parte do jardim, onde uma sucessão de espécies ajuda a manter colorido este espaço durante todo o ano. Tufos brancos de malmequeres ou torrões-de-açúcar, rosas e mais rosas, as sardinheiras de escarlate vivo e esbatido, dálias e majestosos gladíolos, para citar apenas algumas, impõe a sua presença nos canteiros, bordejados pelos tapetes verdes. Os canteiros vão mudando de espécies ao longo do ano e ao longo dos anos, de forma a quebrar a trazer a novidade aos visitantes frequentes.
Adornam alguns recantos uma série de pequenos espelhos de água, a que se chama laguinhos. A água que é lançada ou que escorre pela superfície das pedras de bagacina, viaja desde o Tanque do Preto até ao Jardim de Baixo transbordando de uns laguinhos para os outros. Como que compensando a falta das habituais grutas artificiais, típicas dos jardins portugueses da época, ergue-se um Caramanchão, local de descanso de alguns visitantes e de refúgio da chuva quando inesperadamente aparece. No seu interior cai uma cascata de água por entre um enrocamento de obsidiana, um raro vidro vulcânico em forma de pedra.
No centro do Jardim de Baixo permanece o Coreto, simples mas de airosa arquitetura. Terá sido inaugurado no domingo de Páscoa de 1887. De então para cá diversos eventos culturais e muitas e variadas melodias terão ecoado durante mais de um século, das bandas filarmónicas e de outros grupos, populares e etnográficos.
Decidiu a Câmara instalar no centro da Praça Velha um fontenário em mármore. A fonte foi inaugurada no dia de Natal de 1877, estando neste local pouco mais de um ano, até abril de 1878, altura em que a nova administração camarária decidiu retirá-lo e oferecê-lo ao Conselho de Agricultura para a sua estação experimental, destinado a decorar aquele recinto onde seria instalado o futuro passeio público (atual jardim). Em julho de 1882 ainda estaria desmontado. Antes de ser reedificado onde se encontra, esteve situada no Jardim de Cima no local onde hoje está o busto do Dr. Manuel António Lino. Só mais tarde veio para o seu local definitivo. Tornou-se popularmente conhecida como “Babão” devido ao movimento lento da água ao sair do topo em forma de tronco de feto arbóreo, vertendo pelos dois pratos superiores, um após outro, até cair no tanque circular da base.
No lado oposto à entrada principal está uma glorieta em bronze e pedra, descerrada a 30 de novembro de 1954, em evocação a Almeida Garrett. Autor mais representativo do Romantismo em Portugal, viveu nesta ilha parte da sua atribulada mocidade, entre os 9 e os 17 anos. Foi, no entanto, enquanto figura de vulto da Revolução Liberal, e enquanto Deputado pela Terceira no reino, que redigiu o decreto de 12 de janeiro de 1837, assinado por D. Maria II, a partir do qual Angra se passou a denominar “do Heroísmo”, acrescentando ao título de “Muito Nobre e Leal” o de “sempre constante”, e tendo pendente a insígnia da Grã-Cruz da Antiga e Mui Nobre Ordem da Torre e Espada, do Valor, Lealdade e Mérito.
Por solicitação de um particular autorizou a Câmara Municipal a 6 de setembro de 1928, a construção de um Quiosque no jardim, num local denominado bosque, onde ainda hoje se encontra. Servia para venda de doces, bebidas e géneros semelhantes. Junto à Ladeira de São Francisco está o espaço da antiga botica dos franciscanos com o conjunto de azulejaria conhecido como os Painéis do Filho Pródigo. (Sobre estes painéis de azulejos leia-se em local próprio neste site).
Também no Jardim de Cima foi descerrado a 16 de outubro de 1949 um busto em mármore que invoca a memória e homenageia a obra da grande intelectualidade terceirense que foi o Dr. Manuel António Lino. Nascido a 4 de janeiro de 1865 nesta cidade, para além do talento de médico erudito juntava-lhe o de floricultor exímio, poeta, jornalista, dramaturgo consagrado e autor musical, entre outros singulares predicados que o distinguiam. Que melhor refúgio para homenagear a memória de um enamorado das letras e das plantas?
Nos “bosques”, resquícios da antiga mata que aqui existia, de que restam poucos exemplares arbóreos, prevaleceu um mosaico de espécies ao estilo inglês, que sem ser Parque mantém um certo romantismo e permite à natureza aparecer um pouco mais selvagem, crescendo de forma mais livre.
No início da Passagem Silva Sarmento encontra-se um tanque retangular, de dimensões apreciáveis. Num dos topos, a Estátua do Preto, que ostenta um cocar de índio brasileiro como adorno da cabeça, revela-se como uma curiosa escultura e um magnífico chafariz. Por um tubo sopra um abundante jorro de água, que se despenha qual cilindro de cristal, a refletir os raios de sol que caem por entre as folhas das frondosas tílias. De data incerta, este antigo tanque tinha por função represar as águas destinadas a regar as hortas da cerca dos Franciscanos e, quem sabe, este edílico local permitisse aos frades a tranquilidade e meditação que ainda hoje proporciona.
Foi erigido no local do antigo Castelo dos Moinhos, por ficar sobranceiro à cidade e à baía de Angra, a “Memória”. Esta pirâmide quadrangular em pedra passou a integrar o Jardim Duque da Terceira após ter sido estabelecida uma ligação ao longo da encosta denominada Passagem Silva Sarmento. (Sobre a edificação da Memória leia-se em local próprio neste site). Acompanha esta elegante e bem delineada escadaria uma alameda de frondosos plátanos, que ladeia, ensombra e refresca todos os que a sobem e que gradualmente se elevam sobre a cidade até este admirável miradouro de horizontes dilatados e panorâmicas deslumbrantes, verdadeiro ex-libris de Angra do Heroísmo.
Recorrendo a terrenos contíguos ao jardim, a 21 de junho de 2019 é inaugurado o Passeio Rui Teles Palhinha, nome que honra esta eminente figura angrense, professor da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa e diretor do Jardim Botânico de Lisboa, que muito promoveu o conhecimento da flora açoriana. Cerca de um ano depois, em agosto de 2020, completa-se a homenagem a esta personalidade com a inauguração do seu busto em alto-relevo no seu passeio. Trata-se de uma obra em bronze, aplicada sobre um suporte de metal, da autoria da artista angrense Maria Ana Simões.
Esta ampliação de mais 9500 m2 permitiu valorizar os terrenos que aqui existiam e criar um enquadramento paisagístico agradável para dois edifícios históricos que a autarquia recuperou: a Casa dos Pamplonas que servirá para Centro Interpretativo de Angra do Heroísmo e o Casa do Capitão do Donatário que serve já a StartUp Angra.
Apesar do alargamento ter sido criado ao jeito da morfologia do terreno, foi garantida a continuidade ao jardim pré-existente através de vários pontos de comunicação. Desta antiga quinta recuperaram-se alguns muros e escadas em pedra. Recuperou-se ainda dois bonitos tanques, ligando-se o retangular que se encontra a cotas mais elevada a outro circular que está na parte mais baixa do jardim, através de um percurso onde a água desce em rampa e cascata. Junto deste último está um reservatório em betão de 15000 litros, a partir do qual a água é bombeada novamente para o tanque superior, fechando-se o circuito. Sobre esta levada de água foi criado um curioso caminho de lajetas, dando a ideia de degraus flutuantes, que qualquer visitante com maior destreza de pernas é convidado a percorrer.
Da velha quinta salvaram-se também alguns exemplares de negritos, loureiro, faia-da-terra e algumas árvores de fruto, como castanheiros, anoneiras, diospireiros, nespereiras e goiabeiras. Com o projeto de ajardinamento foram incluídas muitas outras espécies ornamentais em canteiros criados nas partes mais planas. Numa das zonas a montante surgiu, a partir de um diversificado conjunto de variedades, um bonito e aromático roseiral.
O jardim compreende um total de cerca de 27500 m2, aos quais se junta uma área de viveiros e estufas para plantios, sementeiras e manutenção de plantas, só visitável ocasionalmente por escolas e grupos específicos.
Este Jardim Duque da Terceira, um dos mais harmoniosos e belos jardins clássicos dos Açores, com entradas a partir do centro da urbe, torna-se facilmente acessível para as muitas dezenas de pessoas que o procuram diariamente, seja para apreciar e usufruir da beleza e tranquilidade deste espaço, para conseguir mais alguns conhecimentos sobre a biodiversidade do local, para trazerem os filhos a divertirem-se no parque infantil, para assistirem à realização de eventos, ou simplesmente utilizar o jardim como forma de atalhar caminho na sua descida desde a Memória até ao centro da cidade.
Paulo Barcelos – CMAH