O primitivo Jardim dos Corte-Reais surgiu de um aproveitamento de uma encosta íngreme, que vinha no seguimento da Rocha dos Quatro Cantos. A Câmara Municipal adquiriu os terrenos deste jardim em 1925, mas a obra levou um tempo exagerado a ser executada. Em 1929 ainda decorriam as obras do então denominado
Jardim da Rocha, já sob a administração da Junta Geral. Não sabendo com precisão a data em que este jardim terá sido inaugurado, sabemos que em 1931 tinha já a denominação de
Jardim dos Corte-Reais e recebia visitas ao fim-de-semana.
Não era, no entanto, um jardim que cativasse os angrenses apesar da sua bonita vista sobre a Baía de Angra. Devido à orografia do local, quem estava no seu interior sentia-se condicionado pelo paredão alto a montante que suporta a Rua da Rocha, e por outro paredão alto que deitava para a Rua Gaspar Corte Real a jusante, onde se encontrava o único acesso ao jardim. Terá sido em parte devido a esse óbice das acessibilidades e ao facto de não ter árvores de sombra que este local na prática pouco proveito trouxe à população, entrando lentamente em abandono.
Por ocasião das comemorações do V centenário do povoamento da ilha Terceira foi montado, a expensas da Junta Geral, um padrão comemorativo do evento, um projeto da autoria do arquiteto Fernando de Sousa, na altura professor da Escola Industrial, com execução da Direção das Obras Públicas do Distrito. A inauguração ocorreu no dia 19 de outubro de 1950, presidida pelo governador civil, com a presença de diversas autoridades e de algum público. Continha a seguinte legenda: "
Lembra às gerações futuras aqueles primeiros portugueses que nesta ilha desembarcaram, a povoaram e desenvolveram, aqui guardando e defendendo este solo sagrado da Mãe Pátria Portuguesa. A geração do V Centenário do Povoamento em 1950."
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O desinteresse continuou durante as décadas seguintes, até que no início do milénio a autarquia avançou com o
Plano Integrado de Reordenamento da Baía de Angra do Heroísmo, uma grande intervenção que incluía a construção da Marina de Angra e a reestruturação de toda a envolvência à baía. O desaterro do local fez desaparecer o jardim e no seu lugar surgiu o
Edifício dos Corte-Reais, com um restaurante com vista panorâmica, oito áreas comerciais e um grande espaço de estacionamento coberto. O projeto assumia-se como a
nova frente urbana marítima da cidade, recriando neste espaço um jardim suspenso que cobria todo o edifício, e permitindo ligar a zona histórica da cidade à sua marginal através de um sistema de acessos em escada e rampa em passadiço.
Refira-se que a ressalga trazida pelo vento sempre condicionou bastante as espécies que tentavam vingar neste jardim, o que terá contribuído para que o anterior fosse bastante modesto em termos botânicos. Hoje, embora o jardim tenha uma área verde reduzida, está todo ele plantado com espécies vivazes de reduzida manutenção. Na parte mais plana estão alguns canteiros com herbáceas altas e pequenos arbustos e junto ao paredão, num plano sobrelevado, alguns indivíduos de maior porte, nomeadamente palmeiras. Uma coleção de suculentas tomam conta da encosta que cobre um pequeno ginásio. Do jardim anterior mantém apenas um dragoeiro de dimensões apreciáveis.
Para deleite dos amantes de arte existe ainda um painel de azulejos da autoria do grande artista açoriano que foi José Nuno da Câmara Pereira, dedicado aos irmãos Corte-Real, exímios navegadores e descobridores, a que junta excertos do poema “Mensagem” de Fernando Pessoa.
Este espaço verde, rejuvenescido, continua a não ser procurado para “se estar”, mas é visitado por turistas e população residente, da primeira vez para o apreciar e nas seguintes como forma de aceder à zona comercial ou à marginal da cidade.
Paulo Barcelos – CMAH
1 Carlos Enes in: https://www.rtp.pt/acores/comunidades/penteando-a-memoria-11--jardim-dos-corte-reais----carlos-enes_40666