Angra figura como cidade insurgente em dois momentos marcantes da história deste país: aquando da resistência do domínio filipino em 1581 e aquando das lutas liberais de 1832 entre Constitucionalistas e Absolutistas. Este monumento invoca uma figura grande da nossa história, mas também os acontecimentos que ocorreram nesses primeiros anos da década de 30, do século XIX. O desvio do Rei D. Miguel ao compromisso constitucional assumido faz da ilha Terceira refúgio de liberais. Angra torna-se sede da regência do reino em nome da rainha D. Maria II. Uma Junta Provisória governa este baluarte de resistência contra o absolutismo régio de D. Miguel até à chegada de D. Pedro IV, que depois de procurar apoios na Europa para a sua causa, aporta à ilha Terceira a 3 de março de 1832 para coordenar toda a atividade político-administrativa e principalmente militar. Aqui organizou as tropas que meses depois haveriam de desembarcar no Mindelo e tornarem-se no núcleo do exército libertador que livrou Portugal do jugo de D. Miguel.
No dia 20 de maio de 1844 começaram as obras preparatórias para construção de um monumento que pretendia lembrar às gerações vindouras a passagem pela Terceira do Duque de Bragança D. Pedro IV, então Imperador do Brasil, mas também não deixar esquecer os acontecimentos que nesta ilha marcaram essa época e a firme adesão à causa constitucional pelos terceirenses. O local escolhido foi uma praça sobranceira à cidade e à baía de Angra, onde tinha sido construído no século XV a primeira fortificação da ilha Terceira, mandada fazer pelo provedor das fortificações Pedro Annes Rebelo, que nela habitou. Ficou conhecida por Castelo dos Moinhos, Castelo de S. Cristóvão (com referências apenas durante o período filipino) e por Castelo de S. Luís, título com manteve até deixar de ser fortificação. Sem utilidade na defesa da costa, o forte e a casa que aí existia tiveram um uso pouco evidente e acabaram em ruínas.
A construção deste monumento faz-se com a participação do Governador Civil do distrito, Conselheiro José silvestre Ribeiro, que promoveu uma subscrição pública para o efeito, e com a intervenção direta de uma comissão nomeada, liderada por Teotónio de Ornelas Bruges.
Preparados os alicerces, no dia 3 de março de 1845, treze anos após o desembarque de D. Pedro IV nesta ilha, foi assente a primeira pedra, que mais não era que a mesma em que S. Majestade tinha colocado o pé ao desembarcar no cais desta cidade.
A cerimónia decorreu com a pompa e solenidade devida e respetivos discursos de circunstância. No fundo do alicerce foi colocado um cofre de bronze, feito das moedas fundidas e cunhadas nesta ilha (os “Malucos”), e postas em circulação no ano de 1829. No interior desse cofre foram colocadas também algumas moedas e um pergaminho com inscrições várias, entre as quais: “A D. Pedro o Grande. A Câmara de Angra do Heroísmo em nome dos povos do distrito. Em testemunho de gratidão e saudade. 3 de março de 1845.” Foi este cofre encerrado dentro de outro de cedro que foi fechado pelo Governador Civil Conselheiro Nicolau Anastácio de Bettencourt, que logo fez a entrega da chave ao presidente da Câmara. Entre “vivas” à memória de D. Pedro ficou assente a pedra fundamental. Com esta cerimónia, este sítio do antigo Castelo de S. Luís passa a ser oficialmente denominado por Praça de D. Pedro IV, embora hoje toda a população o chame por “alto da Memória” ou simplesmente “Memória”.
Este monumento, terminado em junho de 1856, é uma pirâmide de base quadrangular, rematada exteriormente em cantaria, tendo patente em cada uma das faces os seguintes dizeres: NASCEU EM 12 DE OUTUBRO DE 1798 | A D. PEDRO IV | MORREU EM 24 DE SETEMBRO DE 1834 | A ILHA TERCEIRA.
Foram poucas as vezes que esta ilha foi visitada por membros da casa real, mas no dia 31 de outubro de 1858, o Infante D. Luiz (que três anos depois era já rei de Portugal), quando liderava uma expedição nos mares do arquipélago, fez questão de visitar este local, dando assim provas de quanto respeitava a saudosa memória de seu avô.
Este monumento teve uma existência difícil. Na noite de 6 de fevereiro de 1912 um raio atingiu-o na base abrindo-lhe um rombo de 20 palmos. Outros haveriam de o atingir, obrigando a Câmara a instalar um para-raios, que ainda hoje lá se encontra. A violência do Sismo de 1 de janeiro de 1980 afetou-o também de forma grave, deitando abaixo a parte terminal e abrindo fendas laterais, o que obrigou à sua reconstrução, sendo reinaugurado pela Câmara Municipal de Angra do Heroísmo a 25 de abril de 1985.
Mais recentemente, junto à Memória, foi inaugurado no dia 2 de dezembro de 2016, pela obediência maçónica Grande Oriente Lusitano, à qual a Câmara de Angra se associou, um outro monumento que presta tributo a Teotónio de Ornelas Bruges (1807-1870), filantropo, primeiro presidente de Câmara eleito em Portugal, responsável pela edificação desta memória de D. Pedro IV, carbonário e maçon. Este MUPI, cheio de simbolismo, é composto por uma chapa vertical em aço corten, quinada na parte superior de forma a receber uma laje em basalto serrado de formato triangular. Junto ao vértice superior encontramos o símbolo da maçonaria: o esquadro, o compasso e a letra G.
Esta “Memória”, para além de evocativo da história, do grito de liberdade dos terceirenses e do triunfo da causa liberal, é hoje um dos principais ex-libris da cidade.
Paulo Barcelos – CMAH