Após a entrega do Castelo do Monte Brasil pelos soldados de Espanha, neles fortificados, o capitão Francisco de Ornelas vai, pessoalmente, dar notícia ao rei, entregando-lhe as chaves da inexpugnável fortaleza.
D. João IV recebeu-o com tantas honras que fizeram nascer o despeito entre os seus camaradas, ambiciosos, ciumentos e maus, em que não foram excluídos até alguns parentes.
Francisco de Ornelas, que consegui salvar a vida em meio de tantos perigos de guerra, esteve prestes a perdê-la, mercê da intriga vil; pois, respondendo em tribunal, chegou a estar condenado à morte.
Levara dias o debate do processo, havendo algumas dúvidas sobre a sua culpabilidade. Ornelas fizera, então, um voto solene, prometendo levantar uma ermida do Espírito Santo na cidade de Angra e distribuir bodo, ele próprio descalço, aos pobres.
Estavam lavrando a sentença condenatória, os juízes do Tribunal da Relação de Lisboa, quando se viu entrar, por uma das janelas, uma pomba, alva como a inocência, e, esvoaçou por toda a sala, derramou, sobre o papel em que escreviam, o tinteiro, inutilizando-o completamente.
Os juízes, estupefactos, entreolharam-se; e, comovidos, comunicaram o facto ao rei que ordenou a absolvição do capitão Ornelas, o qual cumpriu a sua promessa, de que ainda existem provas na cidade, sendo a principal, a ermida que se conserva na Rua Recreio dos Artistas.
In Gervásio Lima, Breviário Açoreano, p. 95, Angra do Heroísmo, Tip. Editora Andrade, 1935.