Quem visita o Jardim dos Corte-Reais depara-se com um mural de azulejos da autoria do grande artista açoriano que é José Nuno da Câmara Pereira. É provavelmente a maior e a mais significativa peça de arte contemporânea, no domínio da azulejaria, existente no arquipélago. Esta obra expressiva invoca o antigo Jardim dos Corte-Reais, prestando homenagem aos irmãos Gaspar e Miguel Corte-Real, exímios navegadores e descobridores, que nas várias viagens de exploração ao noroeste do Atlântico alcançaram a Terra Nova e possivelmente outras partes da costa leste do Canadá e da Nova Inglaterra. O desenho artístico compreende traços e manchas de agradáveis cores vivas, que separam apontamentos de motivos florais, plantas e aves, que se repete ao longo do mural, marcando a proveniência dos aventureiros navegadores. Juntam-se excertos dos poemas de Fernando Pessoa “A Noite” do seu livro “Mensagem”, onde se glorificam figuras heroicas que engrandeceram Portugal.
Virado ao mar, instalado numa parede interior do jardim ligeiramente curva, que suporta um esguio canteiro superior que favorece o enquadramento, é observável apenas de alguns ângulos, passando despercebido a quem circula nas duas ruas mais próximas. No entanto, para quem faz uma incursão no espaço do jardim rapidamente se apercebe da existência deste mural artístico, de inegável valor cultural, que faz os turistas se aproximarem para o observar mais de perto.
Esta obra é composta por um painel de grandes dimensões, com 50 metros de comprimento por 3,15 de altura, num total de quase 7000 azulejos de 15 x 15 cm.
José Nuno Monteiro da Câmara Pereira nasceu na Ilha de Santa Maria a 1 de abril de 1937. Em 1958 seguiu para Lisboa para estudar pintura, tendo-se licenciado em 1966 pela Escola Superior de Belas-Artes de Lisboa. Foi docente na Escola Técnica de Alcobaça (1961-66), na Escola António Arroio (1966-71), no IADE - Instituto de Arte e Decoração (1969-74), no Ar.Co - Centro de Arte e Comunicação (1973-79) e na Escola Superior de Belas-Artes de Lisboa (1987-1989).
Foi um criador multifacetado, um dos mais importantes de origem açoriana, cujas raízes estiveram evidentes em muitas das suas obras, muito marcada pela modernidade. Como artista plástico ocupa um lugar de destaque no panorama português do seu tempo, em particular nas décadas de 1970 e 1980, pelas abordagens inovadoras e utilização de novos materiais.
Ainda na fase inicial da sua carreira realiza diversas exposições individuais: na Galeria Ottolini (Lisboa, 1974); com as Paisagens de Mito e Memória (Museu Carlos Machado, Ponta Delgada, 1977); ou com a Imaginação da Matéria, um momento de grande criatividade e crucial na sua carreira (Central Elétrica do Tejo EDP/EP, Lisboa, 1979). Seguem-se vários anos de invenção contínua no domínio da instalação, participando em diversas exposições coletivas de vulto: Foire Internationalle d’Art Contemporain em representação da Galeria Quadrum (Grang Palais, Paris, 1980); Desenhos? onde apresenta a peça de grande escala Urraca a Serpente Voadora (Projeto Sema, Edifício Mobil, 1982), na gigantesca instalação A História Trágico-Marítima com a obra polémica TransFiguras (Sociedade Nacional de Belas Artes, 1983); instalação Recado para Inês (Igreja de Santa Clara-a-Velha, Coimbra, 1984); Empatia (Galeria Diferença, Lisboa, 1985); Natura/Contranatura, primeira apresentação em retrospetiva da obra do autor (Galeria do Jornal de Notícias, Porto, 1987); exposição de pintura (Galeria Arco 8, Ponta Delgada, 1987). Paralelamente realizou trabalhos como artista gráfico e publicitário, tendo sido ainda diretor artístico do Círculo de Leitores no período de 1974-85.
Interrompe em 1987 a sua atividade para seguir para os EUA, onde estudou no Center for Advanced Visual Studies do M.I.T. como bolseiro da Fundação Calouste Gulbenkian e da Fundação Luso-Americana. Outras participações: II Bienal de Arte dos Açores e Atlântico (Angra do Heroísmo, 1987); Deutscher Kunstlerbund/ Karlgruber (Coletiva dos Artistas do Center For Advanced Visual Studies do MIT, Alemanha, 1988); Meio Século de Arte nos Açores (III Bienal de Arte dos Açores e Atlântico Direção Regional dos Assuntos Culturais, Horta, 1989); Arte Portuguesa do Séc. XX (Osnabruk, Alemanha, 1992) | I.M.M.S. – International Multimédia Symposium Travelling Exhibition (Lisboa, Madrid e Londres, 1992). Regressa aos Açores em 1994, fixando-se em Angra do Heroísmo. A mudança permitiu-lhe desenvolver uma série de projetos de intervenção pública, em diversas ilhas.
Nos Açores participa em: uma exposição de pintura na Marconi (Ponta Delgada, 1995); Humano. Inumano. Desumano (Câmara Municipal de Lagoa, São Miguel, 1996); foi responsável pela realização do Simpósio Internacional Multimédia que levou ao Faial 25 artistas de todo o mundo; Artistas Açorianos em Macau (Galeria Arco 8 e Instituto Cultural de Macau, 1996); Uma Janela sobre os Açores (Galeria Nacional da Bermuda, 1999); A window on the Azores (Museu de Arte de New Bedford, E.U.A., 2000); Exposição inaugural (pintura, escultura, instalação) do Centro Cultural e de Congressos de Angra do Heroísmo em 2003; Evocações da Paisagem, uma antologia de 10 anos de pintura nos Açores (Teatro Micaelense, Centro Cultural e de Congressos, Ponta Delgada, 2004); Ultraperiferia, Galeria António Prates (Lisboa, 2006); Percursos (Carmina Galeria, Angra do Heroísmo, 2007); Speculum (instalação no Centro de Artes e Ciências do Mar, Lajes do Pico, 2008); Contentor de Paisagem & CIA (instalação na Biblioteca Pública e Arquivo Regional de Angra do Heroísmo, 2008), Exposição no Castelo de S. João Baptista (Angra do Heroísmo, 2009); Sonho de uma Noite de Verão – Apocalipse Now (Instituto Açoriano de Cultura, Angra do Heroísmo, 2012).
Em 2006 o Instituto Açoriano de Cultura editou em DVD o filme sobre José Nuno: "Um Criador Nas Suas Ilhas" de Marcus Robbin, constituído por três conteúdos base: uma exposição virtual, documentário e entrevista. Prosseguiu a sua obra criativa até 2014, sendo forçado a interrompê-la por motivos de saúde. Em 2016 foi organizada uma grande exposição retrospetiva da sua obra no Arquipélago - Centro de Artes Contemporâneas (Ribeira Grande), com o título de Um Sísifo feliz, a exposição integrou uma extensa seleção de trabalhos das diversas fases da sua obra. Decorou ainda as paredes do altar-mor e da entrada da Igreja Matriz de Almada. A convite do arquiteto Nuno Teotónio Pereira assinou as instalações de homenagem a Goethe e Fernando Pessoa, no edifício Círculo de Leitores.
Em termos de arte pública, nos Açores, é da sua autoria “O Anjo da Montanha”, uma escultura em aço com 4 m de altura que marca o início da subida da montanha do Pico, inaugurada em 2008; os painéis de azulejos na Escola Secundária da Lagoa, São Miguel, no Jardim dos Corte-Reais e no Jardim Público em Angra do Heroísmo, e do Jardim de Pedra para as Vinhas do Pico, nos Açores. São também dele os relevos da entrada e envolvente da escadaria da Biblioteca Pública de Ponta Delgada, assim como o teto do Teatro Faialense, feito a convite do arquiteto José Lamas.
Foi premiado em várias obras, como: 1984-O futuro é já hoje? onde apresenta a peça Estação Arqueológica Terra que é premiada (Centro de Arte Moderna da Fundação Calouste Gulbenkian, 1984); Menção Honrosa na I Bienal dos Açores e Atlântico (SREC, 1984); Mar de lama, em conjunto com Pedro Chorão e Pires Vieira, onde recebe o 1º prémio (AICA-PHILAE, Sociedade Nacional de Belas Artes, Lisboa, 1986); O Começo: o Chão da Terra, onde recebeu o 1º prémio da categoria Instalações/Objetos (III Exposição de Artes Plásticas da Fundação Calouste Gulbenkian, Lisboa, 1986); Prémio SEAT, considerado artista do ano 1986 (prémios atribuídos às figuras que se destacaram, em Portugal, nas diferentes áreas de intervenção, 1987). Prémio Domingos Rebelo, Direção Regional da Cultura, Açores, 2000. A 3 de setembro de 2001 foi agraciado com o grau de Comendador da Ordem do Infante D. Henrique. Em 2010 foi-lhe atribuída a Insígnia Autonómica de Reconhecimento pela Assembleia Legislativa da Região Autónoma dos Açores.
Faleceu em Lisboa, no dia 14 de janeiro de 2018, aos 80 anos de idade.
Paulo Barcelos – CMAH