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Cruzeiro da Serra da Costaneira

As obras de aproveitamento hidroelétrico das nascentes subterrâneas da Furna de Água começaram em setembro de 1952. Para a execução de um empreendimento desta dimensão, cuja construção se previa durar alguns anos, a Direcção-Geral dos Serviços Hidráulicos criou nesta cidade uma Delegação, chefiada pelo eng.º José Luís Abecassis. Como Diretor Delegado dos Aproveitamentos Hidroelétricos da Ilha Terceira foi autor de alguns dos estudos e coordenou esta grande obra de engenharia. Nos anos que se seguiram, a água foi captada e conduzida pela encosta exterior da Serra do Morião até ao tanque de regularização das águas, que existe sensivelmente a meio da encosta da serra virada a sul.

Estava esta obra na sua fase final quando o eng.º Abecassis decidiu construir este Cruzeiro para acentuar que “fora da égide cristã não pode haver progresso verdadeiro”. Homem de forte religiosidade pretendeu assim evidenciar que é a inspiração divina que guia o esforço humano para chegar mais além: “Num mundo desorientado em que a técnica é colocada tantas vezes ao serviço do mal, nós, técnicos cristãos, queremos acentuar que apenas há verdadeiro progresso quando os empreendimentos materiais se subordinam a princípios espirituais contribuindo, assim, em todos os campos, para uma real elevação do nível de vida.”

A partir de um esboço da autoria do mestre Maduro Dias, foi este Cruzeiro na Serra da Costaneira inaugurado em março de 1955, em lugar de grande destaque na paisagem. No centro desta estrutura de seis metros de altura por sete de base, está aberta uma cruz de 3 metros de altura. Aquando da sua construção previa-se a colocação de um potente projetor por trás a incidir sobre o cruzeiro, para que a cruz iluminada surgisse na noite, o que nunca chegou a ser feito.

Num trabalho conjunto entre a Câmara Municipal de Angra do Heroísmo e a Associação Os Montanheiros desenvolveu-se o percurso pedestre “Rota da Água” que passa por este monumento. Foi esta associação que o pintou pela última vez, em 2021, de branco o fundo e em azul o contorno da cruz.

Francisco Coelho Maduro Dias (1904-1986) foi uma das figuras de maior destaque no meio artístico terceirense. Estudou Belas-Artes em Lisboa contatando com artistas de renome internacional. Ainda na capital colaborou na elaboração dos conteúdos do Pavilhão Português para a Exposição de Sevilha, colhendo importantes conhecimentos e experiência que lhe foram de grande valia nas conceções estéticas que desenvolveu em projetos na ilha Terceira. Era envolvido e fazia por se envolver nas diversas manifestações artísticas que aconteciam. Foi membro fundador e colaborador do Instituto Histórico da Ilha Terceira (1942) e do Rádio Clube de Angra (1946), tendo um papel relevante no panorama cultural açoriano da primeira metade do século XX.

De indiscutível capacidade e versatilidade, foi senhor de várias artes. Foi poeta e escritor: Quadras para o Povo (1921), Redondilhas aos Soldados Desconhecidos (1921), Em Nome de Deus Começo... (1929), Dez Sonetilhos de Enlevo (1941), Sonetos de Esperança e de Sonho (1941), Vejo Sempre Mar em Roda (1963), Melodia Íntima e Poemas de Eiramá (1985). Pintou obras como: Gente do Monte (1928), O Castelo de São João Baptista visto do Caminho de São Diogo (1938), Monte Brasil (1948), O Sonho do Infante exposto no salão nobre do paço da Secretaria Regional da Educação e Cultura (1949), Luís Ribeiro retrato a óleo em exposição no Museu de Angra do Heroísmo (1955-1957), Infante D. Henrique retrato a óleo em exposição no Palácio dos Capitães-Generais (1962), Painéis na Pediatria no antigo edifício do Hospital Regional de Angra do Heroísmo (1961) e outros, sobretudo em coleções particulares fora de Portugal. Ilustrou para jornais e desenhou capas de livros e cartazes de inúmeros trabalhos. Organizou, idealizou e ornamentou diversas exposições, contribuindo com a autoria de muitos dos apontamentos utilizados, destacando-se a Exposição no Palácio do Governo Civil atual Palácio dos Capitães-Generais (1934), a Exposição do Esforço do Emigrante Açoriano nos paços da Junta Geral de Angra do Heroísmo (1940) e outras ligadas a eventos e locais como o Lawn Tennis Club, Salão Caridade, Centenário Garreteano; Recreio dos Artistas, Mocidade Portuguesa e Rádio Club de Angra.

Idealizou desfiles de Bodos de Leite e das Festas da Cidade. Foi cenógrafo em palcos como o Teatro Angrense e outros, de peças como: Flores e Bandarilhas (1926), O Maior Amor de Luís Ribeiro e Casas Baratas de Frederico Lopes (1927), Frei Thomaz (1927), Água Corrente (1928), Glória ao Divino (1959), Rosas e Espinhos (1960), Espinhos de Ouro (1962), D. Beltrão de Figueiroa (1967), O Primeiro Beijo (1971). Foi diretor artístico do grupo teatral da Recreio dos Artistas; lecionou na área do ensino artístico, nomeadamente para os militares da Base Aérea das Lajes entre 1961 e cerca de 1985. Esculpiu a Medalha da Sociedade Afonso Chaves (1934) e concebeu diversos monumentos de arte pública: a Memória alusiva da Restauração de 1640 colocada no adro da igreja Matriz da Praia da Vitória, o Cruzeiro da Independência no Pico Matias Simão (1940), o Monumento a Francisco Ferreira Drummond no Largo do Rossio na Vila de S. Sebastião (14 de Outubro de 1951), o Cruzeiro da Serra da Costaneira (1955), o Memorial a Marcelo Pamplona (1970) na antiga Praça de toiros de São João e retirado após o Sismo de 1980. É dele o projeto de intervenção urbana que levou à criação do Largo Prior do Crato e a execução do busto de D. António Prior do Crato (1941). Um dos seus trabalhos mais marcantes na vida dos angrenses é sem dúvida a intervenção na Praça Velha, para a qual concebeu o desenho artístico que forma a calçada, sempre presente na vida dos angrenses.

Recebeu o prémio literário nos Jogos Florais de 1925 na modalidade de prosa e o prémio Violeta de Oiro nos jogos florais realizados pela Emissora Nacional em 1939. Foi feito Cavaleiro da Ordem Militar de Santiago da Espada a 14 de Junho de 1950 e foi-lhe atribuída a Medalha de Honra do Município em 2004.

Paulo Barcelos – CMAH

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Última actualização em 2023-02-10