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Cruzeiro da Independência

O ano de 1940 ficou conhecido como o ano das Comemorações Centenárias, tendo-se celebrado em vários locais do país o VIII Centenário da Fundação de Portugal (1140) e o III Centenário da Restauração da Independência (1640). Associando-se às celebrações foi inaugurado no dia 8 de dezembro de 1940 o Cruzeiro da Independência, no ponto mais alto do Pico Matias Simão, freguesia dos Altares.

O acontecimento estava inserido num movimento nacional, que pretendia erguer no maior número possível de aldeias de Portugal um cruzeiro que perpetuasse essas duas datas, da Fundação e Restauração da nação portuguesa. Por pouco ficava por cumprir tal desígnio na ilha Terceira. Em boa hora o padre Manuel Cardoso do Couto, natural dos Altares, agarrou na ideia e com o seu entusiasmo envolveu neste projeto o pároco desta freguesia padre Inocêncio Enes, alguns movimentos católicos e a população, que acarinhou e aplaudiu a iniciativa. Os altarenses tiveram assim o orgulho de serem os primeiros, não sei se mesmo os únicos em todos os Açores, a levantar o ambicionado cruzeiro.

Pelas 15:00 reuniram-se no largo da igreja o Governador do Distrito e várias outras individualidades, que rumaram em ambiente festivo até ao Pico Matias Simão, com a solenidade que se impunha e ao som da Filarmónica do Sagrado Coração de Jesus. No pico aguardavam já milhares de pessoas, dos Altares, Raminho e Biscoitos que receberam com uma calorosa ovação a chegada do mestre Maduro Dias, artista de méritos invulgares a quem coube projetar esta obra, e do engenheiro Custódio Rosado Pereira que participou na construção deste cruzeiro.

O pendor nacionalista e religioso esteve sempre presente durante a inauguração. Na própria obra do mestre Maduro Dias, embora ainda não estivesse concluída, conseguia-se perceber o elevado sentido de religiosidade e de firme patriotismo que se queria perpetuar para as gerações futuras… pela glória de Cristo e exaltação da Pátria. Numa altura em que a II Guerra Mundial devastava o mundo, foi este cruzeiro benzido no dia da Imaculada Conceição, Padroeira de Portugal, invocando a sua proteção divina para esta ilha.

Na inauguração discursou entusiasticamente o Pe. Manuel Cardoso do Couto, o Governador Civil Dr. Francisco Lourenço Valadão Jr. e o Presidente da Junta Geral Dr. Ramiro Machado, num programa preenchido com o canto do “Hino da Juventude Operária Católica”, “Prá Frente restaurar”, “Nós somos Jovens”, “Hino da LACF”, “Hino ao Sol”, “Aldeias de Portugal”, “Canção de Portugal”, “Salvé nobre Padroeira” e com a récita de poemas como “Cruzeiro da nossa terra” da autoria do padre Moreira das Neves, “Saudação à Cruz” da autoria do Padre Rocha de Sousa ou a “A Cruz mutilada” por crianças da freguesia.

Foi erigido este monumento sobre uma base circular em betão que lhe serve de alicerce. Três painéis, cada qual com o emblemático “Escudo” com 5 orifícios que representam as “Quinas”, confluem para uma coluna circular ao centro, mais elevada, sobre a qual está uma cruz voltada para terra e para o mar. Toda a estrutura está pintada de branco, e em azul estão os escudos e uns reforços existentes pelo exterior da base dos painéis, cor que foi variando de intensidade consoante as pinturas que de tempos a tempos se faziam. Os 3 painéis formam entre si ângulos de 120o e cada um possui uma abertura de forma a passar uma pessoa. Sofreu ao longo dos anos várias obras de manutenção, particularmente depois do sismo de 80 que afetou de forma mais intensa este monumento.

A Cruz, foi um elemento sempre presente na expansão de Portugal, onde se travavam lutas, onde se descobriam novas terras. Por onde passava o português erguia um cruzeiro.

Francisco Coelho Maduro Dias (1904-1986) foi uma das figuras de maior destaque no meio artístico terceirense. Estudou Belas-Artes em Lisboa contatando com artistas de renome internacional. Ainda na capital colaborou na elaboração dos conteúdos do Pavilhão Português para a Exposição de Sevilha, colhendo importantes conhecimentos e experiência que lhe foram de grande valia nas conceções estéticas que desenvolveu em projetos na ilha Terceira. Era envolvido e fazia por se envolver nas diversas manifestações artísticas que aconteciam. Foi membro fundador e colaborador do Instituto Histórico da Ilha Terceira (1942) e do Rádio Clube de Angra (1946), tendo um papel relevante no panorama cultural açoriano da primeira metade do século XX.

De indiscutível capacidade e versatilidade, foi senhor de várias artes. Foi poeta e escritor: Quadras para o Povo (1921), Redondilhas aos Soldados Desconhecidos (1921), Em Nome de Deus Começo... (1929), Dez Sonetilhos de Enlevo (1941), Sonetos de Esperança e de Sonho (1941), Vejo Sempre Mar em Roda (1963), Melodia Íntima e Poemas de Eiramá (1985). Pintou obras como: Gente do Monte (1928), O Castelo de São João Baptista visto do Caminho de São Diogo (1938), Monte Brasil (1948), O Sonho do Infante exposto no salão nobre do paço da Secretaria Regional da Educação e Cultura (1949), Luís Ribeiro retrato a óleo em exposição no Museu de Angra do Heroísmo (1955-1957), Infante D. Henrique retrato a óleo em exposição no Palácio dos Capitães-Generais (1962), Painéis na Pediatria no antigo edifício do Hospital Regional de Angra do Heroísmo (1961) e outros, sobretudo em coleções particulares fora de Portugal. Ilustrou para jornais e desenhou capas de livros e cartazes de inúmeros trabalhos. Organizou, idealizou e ornamentou diversas exposições, contribuindo com a autoria de muitos dos apontamentos utilizados, destacando-se a Exposição no Palácio do Governo Civil atual Palácio dos Capitães-Generais (1934), a Exposição do Esforço do Emigrante Açoriano nos paços da Junta Geral de Angra do Heroísmo (1940) e outras ligadas a eventos e locais como o Lawn Tennis Club, Salão Caridade, Centenário Garreteano, Recreio dos Artistas, Mocidade Portuguesa e Rádio Club de Angra.

Idealizou desfiles de Bodos de Leite e das Festas da Cidade. Foi cenógrafo em palcos como o Teatro Angrense e outros, de peças como: Flores e Bandarilhas (1926), O Maior Amor de Luís Ribeiro e Casas Baratas de Frederico Lopes (1927), Frei Thomaz (1927), Água Corrente (1928), Glória ao Divino (1959), Rosas e Espinhos (1960), Espinhos de Ouro (1962), D. Beltrão de Figueiroa (1967), O Primeiro Beijo (1971). Foi diretor artístico do grupo teatral da Recreio dos Artistas); lecionou na área do ensino artístico, nomeadamente para os militares da Base Aérea das Lajes entre 1961 e cerca de 1985. Esculpiu a Medalha da Sociedade Afonso Chaves (1934) e concebeu diversos monumentos de arte pública: a Memória alusiva da Restauração de 1640 colocada no adro da igreja Matriz da Praia da Vitória, o Cruzeiro da Independência no Pico Matias Simão (1940), o Monumento a Francisco Ferreira Drummond no Largo do Rossio na Vila de S. Sebastião (14 de Outubro de 1951), o Cruzeiro da Serra da Costaneira (1955), o Memorial a Marcelo Pamplona (1970) na antiga Praça de toiros de São João e retirado após o Sismo de 1980. É dele o projeto de intervenção urbana que levou à criação do Largo Prior do Crato e a execução do busto de D. António Prior do Crato (1941). Um dos seus trabalhos mais marcantes na vida dos angrenses é sem dúvida a intervenção na Praça Velha, para a qual concebeu o desenho artístico que forma a calçada, sempre presente na vida dos angrenses.

Recebeu o prémio literário nos Jogos Florais de 1925 na modalidade de prosa e o prémio Violeta de Oiro nos jogos florais realizados pela Emissora Nacional em 1939. Foi feito Cavaleiro da Ordem Militar de Santiago da Espada a 14 de Junho de 1950 e foi-lhe atribuída a Medalha de Honra do Município em 2004.

Paulo Barcelos – CMAH

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Última actualização em 2023-01-25