Início Património histórico e cultural Arte Pública Intro

Altar-Nave “Em Louvor de”

A Escultura Altar-Nave “Em louvor de…”, tal como escrita pelo punho do autor, é uma obra idealizada por António Dacosta que alude ao culto ao Espírito Santo e a 5 séculos de história açoriana no mundo. Em 1988 Dacosta efetua os primeiros estudos para esta obra, uma peça de arte pública de grandes dimensões a ser edificada em Angra do Heroísmo. Na última viagem que fez à cidade que o viu nascer trouxe o esboço e as ideias para a sua realização que o Instituto Histórico da Ilha Terceira recebeu das suas mãos.

Nas palavras de Dacosta o local de implantação teria de ser elevado, de forma que o monumento se tornasse visível do mar e da zona da Alfândega. Ele próprio o escolheu conforme deixou escrito. Seria instalado no cimo da Rocha do Cantagalo, no lugar do Corpo Santo, no Adro Santo, local onde esteve edificada a Ermida de S. Pedro Gonçalves, padroeiro dos homens do mar. Esse facto conjugou-se com a vontade do autor, contribuindo para a sua dimensão simbólica: “Este monumento guarda em si uma dupla memória: a da nave de uma igreja e a de uma nave de navegação. Caravela em terra, por assim dizer”. Por ter falecido, António Dacosta não viu a concretização desta obra. Só postumamente foi decidida a sua construção, contando a ideia com o apoio de entidade públicas e de vários amigos do artista.

O monumento é composto por um elemento horizontal construído em betão, sustentado a meio por um pé circular revestido em tubo de cobre, representado uma ara (embora com forma quadrangular e não retangular) e dois compridos elementos verticais no mesmo tipo de tubo, um deles começando de forma oblíqua, representando mastros, tudo assente em planos compostos de blocos de pedra de basalto serrado, com vários desníveis. Completa a obra três painéis de betão, colocados a nascente, com a cronologia dos feitos e acontecimentos ligados que marcaram a história dos Açores, Portugal e do mundo.

[painel 1]
BRAZIL A TERRA DOS BEM-AVENTURADOS DAS LENDAS CELTAS SURGE IMAGINARIAMENTE, COMO UMA ILHA, AO LARGO DA IRLANDA, LIMITE OCIDENTAL DOS HORIZONTES EUROPEUS NA IDADE MÉDIA.

SÉCULO XIV PROGREDINDO A NAVEGAÇÃO, A ILHA DO BRAZIL DESIGNA, POR UM TEMPO, A TERCEIRA. É ESTE O NOME LENDÁRIO QUE PERMANECE NO MONTE BRASIL.

1432/50 PARA ASSEGURAR O SUPORTE À TORNA-VIAGEM DAS COSTAS AFRICANAS QUE VÃO DESCOBRINDO, OS PORTUGUESES POVOAM AS SETE PRIMEIRAS ILHAS DOS ACORES.

1452 DIOGO DE TEIVE E PEDRO VELASCO NAVEGAM PARA ALÉM DO FAIAL E DESCOBREM, EM SEU REGRESSO, AS ILHAS DO CORVO E DAS FLORES.

1472 JOÃO VAZ CORTE-REAL E ÁLVARO MARTINS HOMEM VÃO, POR MANDADO DO REI, DESCOBRIR A TERRA DO BACALHAU E GANHAM, COMO PRÉMIO, AS DUAS CAPITANIAS DA TERCEIRA. ABREM-SE, PARA PORTUGAL E PARA A EUROPA, AS PESCARIAS DA TERRA NOVA.

1474 PAOLLO DAL POZZO TOSCANELLI, GEÓGRAFO DE FLORENÇA, RECOMENDA AO REI DE PORTUGAL QUE PERSISTA NA TENTATIVA DE ALCANÇAR AS ÍNDIAS NAVEGANDO PARA OCIDENTE.

1475 FERNÃO TELES É MANDATADO PARA DESCOBRIR E POVOAR ILHAS A OCIDENTE DAS FLOREIRAS, DE POUCO ENCONTRADAS.

1486 FERNÃO DULMO, CAPITÃO DA ILHA TERCEIRA, OBTÉM UMA CONCESSÃO REAL PARA EXPLORAR MARES E TERRAS A OCIDENTE.

1492/94 PERO DE BARCELOS E JOÃO FERNANDES, O LAVRADOR, COM BASE NA TERCEIRA, NAVEGAM DURANTE TRÊS ANOS PELAS COSTAS CANADIANAS, RECONHECENDO A TERRA AINDA HOJE CHAMADA LAVRADOR.

[Painel 2. Tem no cimo estilizada em alto relevo uma coroa do Espírito Santo.]
1492 EM ANGRA, E A BEIRA DO MAR, A IRMANDADE DO ESPÍRITO SANTO FUNDA, SOB A INVOCAÇÃO DESTE, A PRIMEIRO HOSPITAL DOS AÇORES.

O ESPÍRITO SANTO, FUNDAMENTO E FACTOR DA IGUALDADE DOS HOMENS, ILUMINA AS RELAÇÕES HUMANAS, PRÓXIMAS OU REMOTAS SEJAM ELAS, COM ACÇÕES PRÁTICAS E PALPÁVEIS DE SOLIDARIEDADE.

O IMPÉRIO DO ESPÍRITO SANTO REALIZA-SE, ASSIM, NA EFECTIVA PARTILHA DA MENSAGEM E DA VIVÊNCIA CRISTÃ POR TODA HUMANIDADE. A SUA CRENÇA É A GRANDE COMPONENTE IDEOLÓGICA DOS DESCOBRIMENTOS PORTUGUESES.

FUNDAMENTO ANÍMICO PARA UMA EPOPEIA, ELA IMPELIU OS PORTUGUESES A USAREM O CONHECIMENTO E A COMPREENSÃO DE UM MUNDO COM NOVOS CONTINENTES, OUTRAS RAÇAS HUMANAS E DIFERENTES CIVILIZAÇÕES.

E É ESTE - SÓ ESTE - O VERDADEIRO IMPÉRIO DA TRADIÇÃO PORTUGUESA.

[Painel 3]
1493 REGRESSADO DAS CARAÍBAS, CRISTÓVÃO COLOMBO PARA NOS AÇORES DESDE O SÉCULO SEGUINTE AQUI FARÃO ESCALA DE RETORNO À EUROPA AS ARMADAS DE ESPANHA.

1494 TRATADO DE TORDESILHAS. OS REIS DE PORTUGAL E DE CASTELA REPARTEM ENTRE SI O MUNDO, DIVIDIDO DE PÓLO A PÓLO EM DOIS HEMISFÉRIOS, POR TERRA E MAR.

1499 EM SEU RETORNO DA ÍNDIA, VASCO DA GAMA VEM SEPULTAR PAULO DE GAMA, SEU IRMÃO, NA IGREJA DOS FRANCISCANOS, EM ANGRA. OS AÇORES INTEGRAM-SE, COMO ESCALA FUNDAMENTAL, NO CAMINHO MARÍTIMO DO ORIENTE.

1500 DESCOBRE-SE A TERRA DE VERA CRUZ, UM MARCO NA ROTA DA ÍNDIA. AOS POUCOS APERCEBIDA A REALIDADE DO NOVO MUNDO, FRONTEIRA ÚLTIMA DO HOMEM, NELA IRÁ FIXAR-SE DEFINITIVAMENTE NOME DE BRASIL.

1500/1502 VIAGENS DE GASPAR E MIGUEL CORTE-REAL AO NORDESTE AMERICANO. ESTABELECE-SE A HEGEMONIA PORTUGUESA NOS BANCOS DE PESCA DA TERRA NOVA. SÉC. XVI E XVII A TERCEIRA, UNIVERSAL ESCALA DO MAR DO PONENTE

1583/1642 APÓS TRÊS ANOS DE RESISTÊNCIA, OS ACORES SÃO DOMINADOS POR FILIPE II. A FORTALEZA DO MONTE BRASIL É A CHAVE DO IMPÉRIO HISPANO-AMERICANO E ANGRA, A PORTA OCIDENTAL DA EUROPA.
DEPOIS... ESCALA DO BRASIL NO SÉCULO XVIII, PORTO BALEEIRO NO SÉCULO XIX, NÓ DE COMUNICAÇÕES E BASE AERO-NAVAL NO SECULO XX. AOS AÇORES VEM CABENDO UM DESTINO HISTÓRICO DE TRAÇO DE UNIÃO NO ATLÂNTICO. E OS AÇORIANOS - SEJAM COLONOS, EMIGRANTES OU MISSIONÁRIOS - CONTINUAM A LEVAR PELO MUNDO UMA MENSAGEM DE HUMANIDADE PENTECOSTAL E CRISTÃ.

Do lado poente ao monumento está a placa inaugurativa, também gravada em betão: “ALTAR NAVE "EM LOUVOR DE" / ANTÓNIO DACOSTA SONHOU ESTE MONUMENTO / NÓS DEMOS REALIDADE A ESSE SONHO COM BASE / NA IDEIA E NOS ESBOÇOS QUE DELE NOS DEIXOU. / O ESCULTOR JOSÉ AURÉLIO E O ARQUITECTO / SÉRGIO INFANTE DESENVOLVERAM O PROJECTO. / EXECUTADO POR DECISÃO DO GOVERNO / REGIONAL DOS AÇORES COM A COLABORAÇÃO / DA COMISSÃO DOS DESCOBRIMENTOS, DA / CAMARA MUNICIPAL DE ANGRA DO HEROÍSMO E / DO INSTITUTO HISTÓRICO DA ILHA TERCEIRA. / INAUGURADO EM 5 DE JUNHO DE 1995.” De facto, foi inaugurado no dia 5 de junho de 1995 pelas 11:30, numa segunda-feira do Espírito Santo, Dia da Região Autónoma dos Açores, misturando-se o evento com os festejos religiosos locais, acompanhado de palestras e de uma exposição de Dacosta em Angra. É para alguns um monumento de pouca arte e com um simbolismo pouco claro.

António Dacosta, o "Pintor Europeu das Ilhas" como lhe chamou Vitorino Nemésio, nasceu em Angra do Heroísmo a 3 de novembro de 1914. Saiu da ilha em 1935 para ir estudar Belas Artes em Lisboa, o que lhe permitiu entrar em contacto com artistas e intelectuais que seguiam novas tendências e correntes nas artes, particularmente na pintura. Foi entre 1939 e 1948 um dos precursores do movimento surrealista em Portugal, expondo pela primeira vez em 1940 na Casa Repe, em Lisboa. O surrealismo era, no Portugal de então, uma corrente que entrava em conflito com a estética que dominava a pintura, de pendor mais naturalista e romântica. Encerra essa fase em 1947 quando fixa residência em Paris como bolseiro do Governo francês, aproximando-se do abstracionismo. Segue-se um interregno da prática artística em 1949 que durará 30 anos, tempo em que se dedicou regularmente a escrever crónicas sobre pintura. Em 1999 o Governo dos Açores promoveu a publicação, em Lisboa, de uma obra contendo mais de quatrocentas crónicas com o título “Dacosta em Paris”. Retoma a sua arte no final da década de 1970, participando em várias exposições. Dedica-se também à poesia deixando o livro “A Cal dos Muros”, editado postumamente em 1994. No fim da vida surge na sua pintura simbologias açorianas e terceirenses como o Espírito Santo e o Toiro.

Recebeu em 1942 o Prémio Souza-Cardoso e anos depois o Prémio AICA. Foi agraciado com a Grã-Cruz da Ordem do Mérito a 4 de fevereiro de 1989. Até à data da sua morte produziu um conjunto de obras diversas, ímpares e marcantes na pintura contemporânea portuguesa, tornando-se num dos nomes importantes nas artes na Europa, prestigiando o Portugal. Em Angra deixa o seu nome perpetuado nesta obra Altar-Nave “Em Louvor de”, na toponímia local com a Avenida António Dacosta, via que liga a circular externa de Angra à Escola Básica e Secundária Tomás de Borba, que também batizou o seu auditório com o nome deste artista plástico de quem tem a obra “Cabeça” exposta em azulejo. Faleceu em Paris a 2 de dezembro de 1990.

MONJARDINO, Álvaro, 1991 - “Três Notas Sobre o Património Cultural”, Instituto Histórico da Ilha Terceira, Volume XLIX, pp. 493-510.
ALMEIDA, Bernardo Pinto de et al., 1995 - “Em louvor da Vida – A Riqueza de muitas leituras”, Jornal Diário Insular de 3 de junho de 1995.
https://pt.wikipedia.org/wiki/António_Dacosta


Paulo Barcelos – CMAH

2021 © Câmara Municipal de Angra do Heroísmo

Última actualização em 2022-05-28