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Minas da Serra - 1871

A terminologia “minas” faz-nos logo pensar em galerias no subsolo, escavadas para se extrair um qualquer recurso geológico. À falta de minérios nos Açores que o justificassem, o único recurso geológico que motivou tais empreendimentos e o surgimento do topónimo “minas” foi mesmo a Água. A necessidade em encontrar caudais de água com volume e perenidade adequadas levou a que tenham sido feitas nestas ilhas, no passado, grandes obras hidráulicas.

Na ilha Terceira várias nascentes foram captadas apenas depois de escavadas galerias, que permitiam chegar à água mais pura e, principalmente, encontrar na rocha subterrânea o filão principal, onde estivesse concentrado o maior caudal possível, antes de se dividir em vários veios e se perder nos interstícios da rocha. Mas, na realidade, as Minas da Serra de Santa Bárbara não tinham esse propósito.

A procura pela água, para consumo humano e dos animais, que escasseava nos chafarizes e nas cisternas, obrigou no passado a obras de engenharia de grande esforço e habilidade para captar e conduzir toda a água de nascente que fosse descoberta. Como era conhecida dos homens que calcorreavam a serra uma nascente que brotava na vertente interior da caldeira, a uma cota bastante elevada, foi decidido proceder ao seu aproveitamento e, sem que houvesse outra forma de elevar a água para fazê-la transpor a cumeeira e escorrer pela vertente exterior da serra, foi necessário construir um túnel que permitisse conduzi-la pelo seu interior, por gravidade.

Em 1867 começou-se a escavar a Mina Grande através da compacta camada de pedra pomes que se depositou nesta zona planáltica no alto da serra, provavelmente pela vertente exterior a noroeste. Os primeiros metros do túnel, de ambos os lados, apresentam as paredes interiores revestidas em pedra, com cantarias em “mãos-postas” a sustentar o teto. O túnel é praticamente reto, com uma pequena inflexão aos 268 metros (medidos a partir de noroeste). Tem uma largura de pouco mais de 1 metro e uma altura interior que varia entre os 1,80 e 2,50 m. Percorridas algumas dezenas de metros, no seu interior, surge uma abertura circular no teto, que se prolonga até à superfície. A abertura está tapada de alguma forma porque não é possível ver a luz do sol. Ao que se pensa terá servido como respiradouro ou para retirar inertes do interior.

Depois de terminado, este túnel ficou com cerca de 330 m, numa direção noroeste-sudeste, sensivelmente o mesmo comprimento que tem a Rua da Sé em Angra.

Na comunicação social da época foi publicado: “Em a Serra de Santa Bárbara, está-se rompendo uma mina na extensão de 370 metros; para se concluir este importante trabalho faltam apenas uns trinta metros. Consta-nos que é muito abundante d’água, com a qual ficarão mais que abastecidas as fontes públicas das Doze Ribeiras, Santa Bárbara e S. Bartolomeu. Em breve será dali conduzida a água até à freguesia de S. Mateus, o que de há muito reclamam os seus habitantes. E para louvar-se o muito zelo, que o chefe das obras públicas deste distrito, o sr. Thomaz José David Henriques, tem pelos trabalhos públicos, bem como pela comodidade dos povos.”1 Thomaz José David Henriques era oficial do Exército e estaria no distrito em comissão de serviço.

Quatro anos depois a obra estava concluída, tendo sido gravado o ano de 1871 na entrada noroeste. Um dos pormenores que chamam a atenção é que, passados 150 anos, ainda se veem as marcas das picaretas nas paredes do túnel. Aqui tudo foi escavado a pulso e transportado às costas, ao que se julga, pois não se conhecem registos da progressão desta obra.

Sai então nova notícia: “… uma obra importante, que se fez nesta ilha, e talvez a primeira nos distritos açorianos. É a abertura de uma grande vala através da Serra de Sta. Bárbara, na extensão de muitos metros, formando um grande túnel, destinada à colocação do encanamento d’água potável da Caldeira para o abastecimento das freguesias das Doze Ribeiras, Stª Bárbara, S. Bartolomeu e S. Mateus. Na Caldeira há uma abundante fonte de água, que vem enriquecer aquelas povoações tão escassas dela na estação calmosa.”2

A nascente, na escarpa da caldeira, não está junto à abertura sudeste do túnel, mas um bocado mais para sul, o que não estorvou a que a trouxessem até aqui. Foi exatamente junto a essa abertura, a cerca de 15 m para o interior, que ocorreu um desabamento, provavelmente com origem no sismo de 1980. Desde então só é possível percorrer cerca de 315 m de túnel, para quem começa pela abertura a jusante.

A água era conduzida pelo interior da Mina Grande em tubo de barro colocado junto ao chão e a uma das paredes. A entrada da Mina, onde a água saía, está localizada no talude de uma das linhas de água que alimentam a Ribeira do Além. A água seguia pelo leito da ribeira durante alguns metros, em tubos de barro estanques que permitiam manter a pressão necessária, para que saísse depois desta, transpondo os obstáculos que ia encontrando. Ao longo de uma vereda aberta para o efeito, segue o tubo semienterrado, sem nos darmos conta que está aos nossos pés.

A cerca de 200 metros da Mina Grande, para atravessar uma zona da serra que apresentava um relevo muito desfavorável, foi necessário construir a Mina Pequena, um segundo túnel com apenas 42 m de extensão por 1 m de largura e 2 m de altura.

A partir daqui a água seguiu serpenteando pelas encostas, conforme descrição que consta no relatório das obras públicas executadas no ano económico de 1871/72: “Abastecimento d’água potável para as freguesias de Santa Bárbara, S. Bartolomeu e S. Mateus. Nesta obra já descrita nos meus relatórios anteriores, fizeram-se 3291 metros de encanamento abrindo a vala a um metro de profundidade, colocando as manilhas ou canos de barro unidos com cimento hidráulico e com o conveniente encapamento de 0,2 metros de espessura feito de pedra e argamassa com a cobertura de telhas, construíram-se 32 caixas d’água ou claraboias, e fizeram-se outras obras de pouca monta. Desde as vertentes já está concluída a canalização até às freguesias de Santa Bárbara e S. Bartolomeu, ministrando já os chafarizes água potável aos habitantes, faltando para completar o respetivo projeto canalizar a água para a freguesia de S. Mateus, cujos trabalhos estão em andamento.”3

Efetivamente, foi juntando esta água à do Poço Negro, que já vinha da serra para Santa Bárbara, que foi possível ter-se caudal suficiente para a fazer chegar ao chafariz do Terreiro em São Mateus.

Para os trabalhadores envolvidos este foi certamente um projeto muito penoso, não só pelo esforço que esta construção implicava, mas principalmente pelas difíceis condições de trabalho na serra e pelos muitos quilómetros que tinham de percorrer a pé apenas para chegar ao local da obra, ou para voltar a casa no final do dia.

Paulo Barcelos – CMAH
1 Jornal “A Ideia Social” de 12 de outubro de 1870
2 Jornal “A Terceira” de 13 de maio de 1871
3 Jornal “A Terceira” de 5 de outubro de 1872

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Última actualização em 2022-08-19